Centenário de Nascimento do Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela

Dom Murilo S.R. Krieger, scj – Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
Salvador, 13.06.12 – Catedral Metropolitana
Centenário de Nascimento do CARDEAL DOM AVELAR BRANDÃO VILELA
Liturgia da Palavra (Memória de Santo Antônio): Is 61,1-3a; Sl 88/89; Lc 10,1-9

1. “O espírito do SENHOR DEUS está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me
para dar a boa nova aos humildes, curar as feridas da alma… para proclamar o tempo
da graça do SENHOR, para consolar todos os que choram…” Tanto essa passagem do
Profeta Isaías como a do Evangelho de Lucas são próprias da Missa de Santo Antônio de
Pádua, Santo Antônio de Lisboa, Santo Antônio da Barra, Santo Antônio Além do Carmo,
Santo Antônio de todas as cidades brasileiras. Se tivéssemos, contudo, que escolher
leituras especiais para a celebração do centenário de nascimento do Cardeal Dom Avelar
Brandão Vilela, não saberíamos escolher textos bíblicos mais adequados. Mesmo que
alguém não o tivesse conhecido pessoalmente – e eu tive a graça de conhecê-lo, de
escutá-lo e de admirá-lo já no meu primeiro ano como bispo, lá em Itaici, em 1985 -,
lendo esta passagem do profeta Isaías essa pessoa teria diante de si uma síntese do que
Dom Avelar foi e do que fez como 24º Arcebispo de São Salvador da Bahia. Ele foi um
ungido; um bispo que curou inúmeras feridas de pessoas e de famílias, um discípulo de
Jesus Cristo que anunciou a esperança. Dom Avelar fez aquilo que Jesus mandou seus
discípulos fazerem: levou a paz a todos e a cada coração. Ele foi um profeta da Paz. Em
seu Testamento, destacou: “Deixo para todos a Paz que sempre procurei transmitir e a
Bênção que sempre procurei dar”.

2. Não farei aqui uma síntese de sua vida, por dois motivos: em primeiro lugar, porque
isso fugiria da finalidade de uma homilia; depois, porque, para tal síntese, precisaria me
alongar muito. Nesta celebração, quero destacar, tão somente, quatro ideias que, a meu
ver, resumem o sentimento daqueles que, aqui na Bahia, conviveram com Dom Avelar
ao longo dos 15 anos em que foi Arcebispo desta Arquidiocese, isto é, de 1971 a 1986.
Inspirei-me, para apresentar os quatro pontos, no que está escrito ali ao lado, na pedra
de seu túmulo: A Bahia o amou em vida; pranteou-lhe a morte; cultua-lhe a memória e
crê em sua ressurreição.

3. (1º) A Bahia o amou em vida. Do amor dos baianos por Dom Avelar há, aqui, muitas
testemunhas. Há pouco mais de um ano nestas terras, percebi, desde o primeiro
momento, quanto esse Cardeal entrou no coração dos baianos. E entrou porque soube
compreendê-los, amá-los e servi-los. Entende-se, pois, o poema que Mons. José Gilberto
de Luna lhe dedicou, trinta dias após o falecimento de Dom Avelar, e do qual extraí estes
versos: Ninguém consegue considerar-te morto/ Tua fé, tua palavra, teus gestos/ Teu
sacrifício, tua doação/ de tal modo nos marcaram/ que ficaram presos a cada um de
nós/ como o rio ao leito,/ o sorriso ao lábio,/ o sangue à veia,/ o estribilho ao hino,/ o
pranto à dor… Mas valha a realidade:/ Deus que tirou tua vida/ nos deixou, em troca/ a
lembrança amiga/ de tua bondade.

4. Dom Avelar era um e era múltiplo. Era múltiplo pela diversidade de campos em que
atuou; era um porque nele tudo se unia no mesmo ideal: Jesus Cristo. Toda a sua vida
foi dedicada ao Reino de Deus. No final de seus dias, marcados pela enfermidade, deve
ter-se aprofundado na certeza de que, para Deus, mais importante não é o tempo de
vida que alguém lhe doa; importante é a intensidade do amor.

5. De tempo de criança de Dom Avelar, seu irmão, que se tornaria nacionalmente
conhecido por sua atuação no campo político, deixou um testemunho interessante: “Eu”,
disse o Senador Teotônio Vilela, “era muito contemplativo; eu era o contrário do Avelar,
que era um capeta. O Avelar pintava o raio, inventava cores e tal, aquela trapalhada. E eu
não, eu gostava muito de refletir e conversar…” Os caminhos de Deus são mesmos muito
curiosos: Ele conduz o contemplativo para o mundo da política; e, para o garoto inquieto
e travesso, reserva o caminho do sacramento da Ordem.

6. (2º) [A Bahia] pranteou-lhe a morte. Ao chegar a Salvador – lembremo-nos, no ano
de 1971 vivia-se um momento difícil em nossa pátria! – Dom Avelar foi interrogado
sobre suas convicções: Afinal, o Arcebispo que chega é conservador, progressista ou
moderado? Sua resposta: “Não sou nem progressista nem conservador e nem moderado.
[…] Eu não sou conservador no sentido de amar as tradições de tal modo que me
identifique com elas como se elas fossem a expressão absoluta da verdade. Eu não
sou conservador no sentido de amar as tradições de tal modo que as considere todas
iguais, no valor e no conteúdo, como se não fosse possível incorporar ao patrimônio
comum novos valores, aqueles valores que são a contribuição específica, própria de cada
momento histórico, riqueza de uma mesma humanidade que caminha, pensa e reflete
e se faz também capacidade criadora, ao longo da história. Eu não sou moderado no
sentido de ser indiferente aos apelos dramáticos da hora presente, de não compartilhar
das inquietudes que a visão prospectiva da vida nos apresenta inexoravelmente. Sou
amante do progresso, progresso integral dos povos. […] Eu sou um conservador no
sentido de respeitar as legítimas tradições religiosas e culturais. Há muito o que renovar-
se se quisermos manter a nossa identidade. Há muito que renovar se quisermos ser fieis
à nossa vocação de peregrinos da História. Sou moderado quando as radicalizações se
levantam intransigentes e absurdas; quando as violências se erguem com imposições
fatais e dilacerantes, ameaçando esperanças e estiolando ideais. Eis o que sou.”

7. Tendo em vista os princípios que norteavam sua vida, soube trabalhar com governantes
e governados; movimentava-se com naturalidade no meio de intelectuais e de homens
do povo; tratava com especial atenção tanto os adultos como as crianças. Aliás, dedicou
a essas um pensamento especial em seu Testamento, ao mesmo tempo que lhes fez um
pedido: “Deixo para as crianças um abraço amigo e um beijo de ternura. Que elas rezem
por mim.” É fácil compreender, pois, que um homem assim tenha sido tão pranteado na
hora de sua morte.

8. (3º) [A Bahia] Cultua-lhe a memória. O profeta Daniel, antecipando nossa ressurreição
no final dos tempos, escreveu que naquele dia os que estiverem dormindo no pó da
terra acordarão, uns para a vida, outros para a rejeição eterna. E completou: “Os que
educaram a muitos para a justiça brilharão para sempre como estrelas” (Dn 12,3).
O Cardeal Vilela foi um desses educadores. É imensa a dívida de gratidão de nossa
Arquidiocese Primaz para com o Cardeal Avelar. Essa dívida me faz recordar uma
observação feita pelo Bem-aventurado Papa João Paulo II, quando preparava a Igreja
para o jubileu do ano 2000. Tendo diante de si o grande número de mártires, de
várias partes do mundo, ao longo do segundo milênio da era cristã, observou que o
testemunho deles, dado por amor a Cristo, até o derramamento do sangue, tornou-
se um patrimônio comum da Igreja. “É um testemunho que não pode ser esquecido”
(TMA, 37). João Paulo II pedia, então, que as Igrejas locais tudo fizessem para guardar
essa memória, recolhendo a necessária documentação a respeito. Afinal, proclamando e
venerando a santidade de seus filhos e filhas, a Igreja presta suprema honra ao próprio

9. O Cardeal Avelar não foi um mártir, é verdade. Deixou-nos, sim, inúmeros testemunhos
de amor e de bondade. Quantas histórias conhecemos a seu respeito – e histórias
interessantíssimas! São histórias marcadas por um grande amor à justiça. No centenário
de seu nascimento, de diversas maneiras estamos procurando recordar alguns dos
muitos aspectos de sua rica personalidade. Nesse nosso esforço de preservar sua
memória, sirva-nos de base uma sábia observação da pequena Bernadete, testemunha
dos acontecimentos em Lourdes – França, na metade do século XIX: “Quando se for
escrever a história daquilo que aqui aconteceu, que se procure ser fiel à verdade,
unicamente à verdade”. A verdade que surge ao nos debruçarmos sobre Dom Avelar é
a de um homem cheio de entusiasmo, com grande capacidade de acolhida, uma pessoa
capaz de alegrar-se com os que se alegravam e de chorar com os que choravam (cf. Rm
12,15).

10.(4º) [A Bahia] crê em sua ressurreição. Volto ao poema de Mons. Luna: “Vela por nós!
/ Velaremos por ti!/ Pastor do povo/ Homem de Deus/ E quando da ressurreição a luz
brilhar/ seremos reconhecidos/ como irmãos, amigos/ fieis a velar”.

Nossa presença neste começo de noite é uma prova de que cremos na ressurreição do
Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela. Afinal, “Os que educaram a muitos para a justiça
brilharão para sempre como estrelas”. No firmamento celeste, brilhará uma estrela que
nos é conhecida, porque fez parte da História desta Arquidiocese Primaz; fez parte da
historia pessoal de muitos. Eu, particularmente, seu sucessor, sou grato pelas sementes
de amor e bondade, de santidade e paz que Dom Avelar semeou, e pela herança que
aqui deixou. Ao me referir à sua herança, penso, particularmente, na observação que se
lê em seu Testamento: “O que pude acumular de conhecimentos foi fruto da vontade
férrea de servir a Igreja e a Cristo”. Servir a Igreja e a Cristo: o desejo de colocar em
prática um tal programa de vida é a melhor homenagem que poderemos prestar àquele
de quem celebramos hoje o centenário de nascimento.

11.Obrigado, SENHOR, por Dom Avelar! Obrigado pelo testemunho que nos deixou de que
vale a pena educar os outros para a justiça! Brilhe ele como uma estrela no céu!