Dai-nos sabedoria, Senhor!

Lê-se no primeiro Livro dos Reis da Bíblia, que Salomão teve um sonho. Nele, Deus lhe disse: “Pede o que devo te dar” (1Rs 3,5). O filho de Davi, humilde e realista, ponderou que era muito jovem e devia governar um povo numeroso. Para ser um governante capaz de exercer bem suas funções, sentia necessidade de ter um coração sábio, capaz de julgar de forma correta as pessoas e de discernir o bem e o mal. Tal pedido agradou a Deus, ainda mais que Salomão havia tido a oportunidade de lhe pedir uma vida longa, muita riqueza ou a morte de seus inimigos. Assim, ele obteve não só “um coração sábio e inteligente“, mas também riquezas e glória como rei algum jamais teve (cf. 1Rs 3,13).

Penso que é hora de fazermos nossa a oração de Salomão: “Dai-nos um coração sábio, Senhor!” Afinal, a incapacidade que muitos têm de discernir entre o bem e o mal, o certo do errado, e de julgar projetos e prioridades com sabedoria faz com que nosso mundo se torne cada vez mais ameaçador e desumano.

Segundo estudos de um grupo de médicos, economistas, cientistas e integrantes de organizações de defesa dos direitos humanos, a situação atual é mais do que preocupante: é alarmante. Em três horas a humanidade gasta, somente com armas, o equivalente ao orçamento anual da Organização Mundial da Saúde em sua luta contra a varíola; em cinco horas, o que a UNICEF destina, cada ano, para as crianças necessitadas; em doze, uma quantia que seria suficiente para exterminar a malária e as enfermidades endêmicas em 66 países. Mais: as verbas que os países dedicam anualmente à investigação médica é uma quinta parte do que é canalizado para estudos tecnológicos do setor militar.

Há outros dados: nos países em desenvolvimento há, em média, um soldado para cada 250 habitantes. Quanto a médicos, um para cada 3 mil 700… O custo de um caça bombardeiro é equivalente ao necessário à construção e equipagem de 75 hospitais, de cem camas cada um.

Até quando isso continuará assim? Teremos perdido a capacidade de nos surpreender diante de tal inversão de valores ou está nos faltando o dom da sabedoria, essa capacidade de olhar o mundo e os homens com o olhar de Deus? Bem lembra o Livro da Sabedoria: “Por mais perfeito que seja alguém… se lhe faltar a sabedoria que vem de ti, de nada valerá” (Sb 9,6).

À medida que se multiplicam em nosso mundo os sinais de morte (não estamos livres de ameaças nucleares, já que cresce o número de países que detém os segredos atômicos; a fome continua matando na África e em outras regiões do mundo; as campanhas abortistas ganham cada vez mais apoio e dinheiro; a indústria da imoralidade espalha suas garras por toda parte etc.), mais e mais é necessário fazermos duas coisas: 1ª) Pedir ao Senhor: “Deus de nossos pais e Senhor de misericórdia, que todas as coisas criastes pela vossa palavra e que, por vossa sabedoria, formastes o homem para ser o senhor de todas as vossas criaturas, governar o mundo na santidade e na justiça, e proferir seu julgamento na retidão de sua alma, dai-me a sabedoria que partilha do vosso trono, e não me rejeiteis como indigno de ser um de vossos filhos… Sou, com efeito… um homem fraco, cuja existência é breve, incapaz de compreender vosso julgamento e vossas leis, porque qualquer homem, mesmo perfeito, entre os homens, não será nada, se lhe faltar a sabedoria que vem de vós” (Sb 9,1-6); 2ª) Usar com sabedoria o direito de gritar, reclamar, participar e manifestar-se. Alguém já disse que o mundo vai mal não tanto por causa da ousadia dos maus, mas devido à omissão dos bons. Ser cristão é participar. Graças a Deus, cresce o número de entidades não governamentais que abrem espaço à participação e manifestação dos indignados. Unindo-se a pessoas que têm seus ideais e valores, sua força se multiplicará. Os resultados serão maiores, melhores e eficazes, mesmo porque “Uma andorinha só não faz o verão”. Poderemos, então, ter esperança de sonhar com um mundo mais sábio – isto é, mais justo, fraterno e solidário.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil