Dr. Norberto Odebrecht

Ausente de Salvador no final da semana passada, surpreendi-me com a notícia do falecimento do Dr. Norberto Odebrecht. Minha surpresa não estava, naturalmente, ligada à sua idade – idade que ele “escondia” pela sua aparência, boa disposição e humor. Minha surpresa era pela própria notícia em si, pois Dr. Norberto era uma dessas pessoas que parecia fazer parte do mundo onde se movia.

Há amizades que se constroem ao longo do tempo; há amigos que fazem parte de cada passo de nossa caminhada. Dr. Norberto não foi um amigo assim, pois só o  conheci quando, tendo tomado posse da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, comecei a participar das reuniões das Obras Sociais de Irmã Dulce. Foi ali que conheci Dr. Norberto. Sua simplicidade me cativava; suas histórias a respeito de seu relacionamento com Irmã Dulce me encantavam. Não é comum conhecermos pessoas cuja vida se entrelaçou com a de alguma pessoa que a Igreja elevou aos altares. Ouvindo-o falar do “Anjo Bom da Bahia”, parecia que os céus baixavam à terra; a santidade parecia mais próxima de mim; constatava, existencialmente, que os santos são irmãos nossos, com nossos problemas, nossos desafios e o desejo que temos de ser melhores.

Maior era minha surpresa ao ouvir de Dr. Norberto que Irmã Dulce, além de parceira de iniciativas – ele correndo incansavelmente atrás dos sonhos daquela Irmã inquieta -, tinha sido para ele também uma mestra. Pensava, ao escutá-lo: ele, um famoso dirigente de empresas, testemunhando que aquela Irmãzinha pequena, magra e com mil limitações de saúde, tinha lhe ensinado mais do que muitos professores ou livros. Curiosa a vida! Muitos se perguntarão: como aproximar a vida de alguém responsável por uma empresa presente em dezenas de países, com milhares de funcionários e obras audaciosas pela frente, com a  de uma religiosa que de seu tinha somente algumas roupas e uns poucos livros de oração? A verdade, porém, é que ambos tinham valores em comum – valores que os aproximavam e pelos quais dedicavam seu tempo e seu amor: Deus, o próximo, o desejo de servir…

Cada um dos dois, à sua maneira, deixou-nos uma herança: Irmã Dulce, os pobres, que precisam ser atendidos. Em sua Obra, não se pode viver nem de saudade nem de relatórios do que foi  já realizado, pois cada dia novos filhos e filhas que ela ainda conquista estão nas portas da instituição que fundou, buscando o mesmo que buscavam aqueles que a procuravam a toda a hora: saúde, atenção e carinho. A herança de Dr. Norberto é constituída por um compromisso que não pode deixar seus descendentes tranquilos. Afinal, há muitas famílias que dependem da Empresa; há obras que necessitam de pessoas com experiência; há desafios que precisam de propostas ousadas.

Dr. Norberto nos deixa uma preciosa lição: apesar da seriedade da vida, a vida não pode ser levada muito à sério… É preciso enfrentar a luta de cada dia com serenidade, sim, mas também com humor. O humor é a expressão de uma capacidade que nos aproxima dos poetas: ambos sabem ver o que está escondido; são capazes de relativizar tudo o que vem e ouvem; além disso, não se dão muita importância…

Teria muitas perguntas a fazer ao Dr. Norberto. É sempre assim: nossa vida tem mais perguntas que respostas. Cada pessoa que nos deixa leva consigo um mundo imenso, do qual conhecemos muito pouco. Se a vida após a morte não fosse eterna, que frustração! Por outro lado, é imperioso reconhecer que nós é que julgamos esta vida aqui na terra tão segura, como se fosse durar sempre. Tudo passa! Mas, ao contrário do que muitos poderiam pensar, mesmo sendo tão transitória, e justamente por sê-la, essa vida exige de nós dedicação, solidariedade e amor. Afinal, seremos julgados pelo amor, e levaremos conosco para a eternidade somente as sementes de bondade que tivermos semeado cada dia.

Impossibilitado de fazer ao Dr. Norberto as perguntas que não lhe fiz, peço ao Senhor da Vida que lhe dê paz eterna – paz que é, antes de tudo, estar com Aquele que nos criou para Ele.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil