Onde você estava no dia 8 de julho de 2014?

Se alguém lhe perguntar: “Onde você estava na manhã do dia 11 de setembro de 2001, quando as duas Torres Gêmeas, de Nova Iorque, foram derrubadas?”, sua resposta será imediata. Dirá, sem precisar forçar a memória, em que cidade estava, quem estava a seu lado e acrescentará uma série de pormenores que nem você mesmo pensava ser possível recordar. Há datas que são assim: passam a fazer parte de nossa história, por tudo o que elas evocam. Vale isso, por exemplo, para o dia em que se perde uma pessoa muito querida ou para a ocasião em que se recebe uma notícia que nos deixa muito felizes. Assim, datas que não teriam importância alguma, ou ficariam na lista dos dias rotineiros, passam a estar sempre diante de nós. Penso que há mais uma data que ficará no inconsciente coletivo dos brasileiros: 8 de julho de 2014. Se daqui a 10 ou 20 anos alguém nos perguntar: “Onde você estava no dia 8 de julho de 2014, quando o Brasil jogou com a Alemanha e perdeu de 7×1?”, nossa resposta será dada sem esforço algum: “Estava numa sala grande, com alguns amigos, e comia pipoca. De repente, pensei que estava vendo o vídeotape do primeiro gol alemão, de ângulos diferentes, e descobri que, na verdade, eram novos gols, que me fizeram dizer diversas vezes: Não acredito!”

“Recordar é viver”, diz o povo. Por vezes, “Recordar é sofrer”, ainda mais quando, espontâneo, nasce um sentimento de vergonha e humilhação. Assim é o ser humano: sonha com troféus, mas acorda, por vezes, com um gosto amargo na boca. Passa a alimentar, então, o desejo de ver chegar o dia em que viverá uma emoção igualmente forte e contrária, quando aqueles que lhe causaram tanto sofrimento experimentarão, por sua vez, a cota amarga do sofrimento.

Mesmo se esse dia chegar – e daí? Terá valido a pena? Será que nossa vida é uma eterna disputa para ver “quem ri por último”? Não seria esse um ideal muito medíocre?

Quando começaram os jogos olímpicos (= porque realizados na cidade de Olímpia), na antiga Grécia, lá pelo século oitavo antes de Cristo, costumava-se premiar os vencedores com uma coroa de louros. Ser assim coroado era uma honra suprema! É verdade que em poucos dias as folhas de louro murchavam, mas a lembrança daquele momento de coroação elevava a autoestima dos vencedores, ao mesmo tempo em que motivava inúmeros atletas a aceitarem passar pelos maiores sacrifícios para receberem também tal homenagem. O tempo passa, a Lusitana roda, e vivemos hoje uma situação semelhante. Única diferença: em vez de louros, corre-se atrás de medalhas, títulos e dinheiro.

Ao escrever aos Coríntios – gregos também eles –, o apóstolo Paulo fez menção aos jogos: “Acaso não sabeis que, no estádio, todos correm, mas um só ganha o prêmio?” (1Cor 9,24). Ele os incentivou, então, a correr de tal maneira que também conquistassem o prêmio; não, porém, por uma coroa que murcha, mas, sim, por “uma coroa incorruptível”. Em outras palavras, queria dizer-lhes o seguinte: se os corredores olímpicos se sacrificavam tanto para ter um breve momento de glória, quanto não deveriam se empenhar no campo das virtudes aqueles que acreditam em Deus e na vida eterna? Ou, dito com palavras de Jesus: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16,26).

Antes que me chamem de pessimista ou alienado (como se existisse alienação maior do que “correr” a vida toda por “uma coroa corruptível”!), antecipo o seguinte: gosto de esportes, acompanho que acontece no mundo do futebol e torci pelo Brasil na Copa do Mundo que está terminando. Não faço disso, contudo, um “ídolo” – palavra que uso aqui em seu sentido original, isto é, o culto a uma pessoa ou objeto, como se fosse um pequeno deus.

Perdemos, e feio! Ficamos envergonhados e nos sentimos humilhados com aquele 7×1. Nunca esqueceremos mais aquele 8 de julho de 2014. Mas a vida segue em frente. Uma das características dos ídolos é ter pernas de barro. Aprendamos a correr por “uma coroa incorruptível” – aquela que levaremos conosco para a eternidade!

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil