Um homem astuto

 

Dom Geraldo M. Agnelo

Cardeal Arcebispo de Salvador

            O Senhor nos fala hoje através de uma parábola surpreendente na qual é feito o elogio de um homem desonesto (Lucas 16,1-13).

            Já o profeta Amós, (8,4-7), oito séculos antes de Cristo, toma posição contra o mau uso que muitos ricos faziam dos bens da terra. O profeta descreve e denuncia as injustiças cometidas por desonestos que, enquanto observavam com minúcias as prescrições puramente exteriores da lei, depois eram capazes de vender um pobre ao preço de um par de sandálias.

            O apóstolo Paulo, escrevendo a seu discípulo Timóteo, 1ª carta 2,1-8, bispo de Éfeso, recomenda à sua comunidade a oração: é preciso rezar sempre todos por todos. Em particular convida a rezar por aqueles constituídos em autoridade, para que saibam cumprir bem a sua parte e assegurem à comunidade uma vida tranqüila na paz e na concórdia, segundo o Senhor.

            A história de um administrador desonesto, esperto e infiel, a dano de seu patrão. Parece ocorrência de nossos tempos, tangentes e corrupção. Faz pensar que o homem é sempre o mesmo em todos os tempos, hoje com mais tecnologia, o seu coração parece não melhorar jamais.

            Na parábola o que surpreende é o elogio do delinqüente que roubou e prejudicou feito pelo próprio patrão, como se dissesse: Esta flor de ladrão foi mais astuto do que eu. Que coisa queria Jesus dizer? Existe um rico patrão, geralmente nas parábolas é Deus mesmo, criador e senhor de todas as coisas. Existe o administrador, que pode representar o homem, todo homem chamado a administrar as coisas da terra.

A diferença entre os dois está no seguinte: Deus, o patrão, tem a posse verdadeira, radical e eterna, de todas as coisas, enquanto o administrador, o homem, cada um de nós, não é verdadeiro patrão que administra as coisas por algum tempo , mas um dia será chamado a restituir tudo, a prestar conta.

Com as palavras: “Presta contas da tua administração, não poderás mais ser administrador”, Jesus faz referência ao fim da existência humana, alude ao momento da morte. Como sugeria alguém: “Na terra, alegres ou tristes, somos todos turistas”. Jesus nos chama ao realismo, nos quer sem ilusão sobre a nossa existência. A chave da parábola está aqui. O administrador sabe que deve deixar a sua função. E ele antes de sair, como é astuto, projeta um futuro tranqüilo. As possibilidades que se abrem diante dele mas deve excluir algumas coisas: “Trabalhar na terra, não sou capaz. Mendigar, tenho vergonha. Mas sei bem o que farei!” Falsifica as faturas da empresa. Perdoa parte dos débitos aos devedores, assim ganha amigos. Faz o que tem à disposição naquele momento, assim se assegura o depois. É preciso reconhecer: está ainda capaz, coerente, astuto, esperto.

Jesus nos explica este personagem contraditório com palavras um pouco obscuras: “Ninguém pode servir a dois patrões. Não podeis servir a Deus e à Mamona.” Mamona significava, no aramaico, as riquezas, os bens da terra. São dois pólos de atração que se excluem, são dois extremos entre os quais o homem deve escolher, como dois modos de conceber a vida. E Jesus diz que é preciso escolher. A escolha para Deus em teoria é fácil, na prática não. Mamona é um patrão fascinante. Os bens da terra são belos, sedutores. São criaturas de Deus. Mas levam a viver pensando somente neles.

O desejo da posse atrai e logo vem a vontade de ter na mão. Pensamos que as coisas nos servem, mas na realidade somos nós que terminamos por servir às coisas. O homem se faz escravo! Há pessoas que vêem somente o dinheiro, e ninguém mais. E também para ajuntar riquezas se chega até a vender uma pessoa, um irmão, como reprovava Amós: um pobre por um par de sandálias. O próprio Cristo foi vendido por trinta dinheiros.

O homem na primeira metade da vida consome a saúde para fazer dinheiro, e na segunda metade da vida consome o dinheiro para fazer saúde.

O homem sábio, espiritualmente previdente, deve aprender com o administrador previdente a usar bem as coisas do tempo, não somente para o tempo, mas para a eternidade, e o deve fazer com grande resolução para assegurar a sua existência no Reino de Deus.