Confira a homilia de Dom Murilo durante a Missa pelo 30° dia do assassinato dos motoristas de aplicativo

Na noite da última segunda-feira (13), o Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, presidiu a Missa pelo 30° dia da morte dos quatro motoristas de aplicativo, que foram assassinados no bairro Jardim Santo Inácio, em dezembro de 2019. Confira, abaixo, a homilia proferida pelo Arcebispo durante a Celebração Eucarística que aconteceu na Catedral Metropolitana de Salvador:

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil

Catedral – 13.01.2020: Missa de 30º dia – 4 Motoristas (UBER) assassinados

Sb 3,1-6; Sl 22/23; Ap 21,1-5ª.6b-7; Jo 14,1-6

 

  1. Ouvindo a passagem do livro do Apocalipse, ficamos conhecendo a visão que o apóstolo e evangelista João teve. Entre outras afirmações, fez esta: Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor.
  2. Essa certeza ilumina nossa presença nesta noite, na Catedral Metropolitana. Estamos aqui porque chocados com a violência e porque queremos rezar por aqueles quatro motoristas que, trinta dias atrás, foram assassinados. A violência nos choca, nos esmaga, nos entristece e deixa mil perguntas em nosso coração ferido: como é possível que alguém possa, conscientemente, tirar a vida de um outro ser humano? O que se passa num coração assim? Estamos convencidos de que nada justifica um ato violento. Afinal, só temos uma vida – e vida preciosa porque nos foi dada por Deus. Jesus se apresentou como vida: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. A vida humana é uma participação, pois, na vida de Jesus Cristo; é um caminho para a vida eterna, para a vida com a Santíssima Trindade.
  3. O que aconteceu em nossa cidade, trinta dias atrás, foi (e está sendo) um sofrimento sem limite. É uma dor sem tamanho. Segundo uma antiga tradição cristã, no caminho que Jesus percorreu até o Calvário, uma mulher, Verônica, enxugou o seu rosto. Para recordar aquele momento, em nossas procissões de Sexta-feira Santa alguém, representando Verônica, abre um lenço onde está impresso o rosto de Cristo. Enquanto isso, ela canta: “Vós, que passais pelo caminho, vede se há dor semelhante à minha dor!” Tendo aqui, diante de nós, familiares que sofrem pela trágica ocorrência, nós nos perguntamos: “Será que há dor semelhante à dor destes irmãos e irmãs?…”
  4. Olhando para a vida de Jesus, vemos que também sua vida terminou de modo violento. À morte violenta de Jesus se une a morte violenta de nossos quatro irmãos: (citar seus nomes). Ao sangue de Jesus se uniu o sangue desses seus filhos que, certamente, tinham uma longa vida pela frente, para fazer o que procuravam e gostavam de fazer: cuidar de seus familiares, relacionar-se com amigos, trabalhar para garantir o pão na mesa de sua família etc.
  5. Choram seus parentes: esposa, pais, avós, filhos, sobrinhos… Estão tristes os seus amigos. Sofre a sociedade, surpresa e espantada com gestos violentos que poderiam ter acontecido com qualquer um de nós. E, pelo que pude ver e sentir, ficaram entristecidos todos aqueles que, mesmo não conhecendo esses quatro motoristas, souberam de seu trágico falecimento e se colocaram no lugar daqueles que ficaram.
  6. Consolam-nos, pois, as palavras do Apocalipse, último livro da Bíblia: Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor. Consola-nos, também, o que ouvimos no Salmo responsorial – Salmo 22/23, conhecido como o “Salmo do Bom Pastor”: O Senhor e o pastor que me conduz, nada me falta… Passarei os mais negros abismos sem temer mal nenhum… Minha casa é a casa do Senhor e para sempre o há de ser. Consola-nos, sobretudo, a certeza que nos dá o próprio Jesus: Que vosso coração não se perturbe. Vós credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai, são muitas as moradas… Eu vou para preparar o lugar… Voltarei, para tomar-vos comigo, a fim de que lá onde eu estou vós estejais também.
  7. Uma pessoa não passa em nossa vida por acaso. Cada pessoa é um sinal de Deus. Algumas, são uma estrela imensa. Elas partem, mas deixam marcas indeléveis em nossa caminhada. Cabe-nos tomar consciência dessas marcas, recolher os ensinamentos daqueles que partiram e recordar suas palavras. É isso o que lhes recomendo fazer.
  8. Santo Agostinho dizia que “a vida nos é dada para que conheçamos a Deus; a morte, para encontrá-lo; e a eternidade, para possuí-lo e adorá-lo”. Pedimos a Deus que esses nossos irmãos (nomes), depois de terem conhecido a Deus e de tê-lo encontrado, vivam para sempre com ele e sua vida seja um estímulo para todos trabalharem por valores que não passam.
  9. A partir de um acontecimento como este, o que Deus espera de nós? Ele quer que nos lembremos que a vida é frágil; é delicada como uma flor. Por isso, precisa de muito cuidado. Deus espera, pois, que aproveitemos nossos dias para consolar os que sofrem e manifestar nossa solidariedade com quem tem alguma necessidade. Espera, também, que vivamos de tal modo que estejamos sempre preparados para nosso encontro com Ele, mesmo que for inesperado. Viver na graça, viver na amizade com Deus, é a vocação que recebemos em nosso batismo.
  10. Quando rezamos a Ave-Maria, terminamos dizendo: Rogai por nós, pecadores, agora, e na hora de nossa morte. Certamente, a Mãe de Jesus intercedeu a Jesus por esses seus quatro filhos na hora de sua morte. Que o Senhor, que é Pai, dê a eles a graça de fazer a experiência do apóstolo João: Vi um novo céu e uma nova terra! O Senhor, que faz novas todas as coisas, dê a esses nossos irmãos a graça de participar um dia da ressurreição dos mortos.
  11. Amém!