Jorge Calmon: um jornalista

“Há pessoas que passaram por este mundo de forma discreta e silenciosa. Isso não significa que suas vidas tenham sido menos importantes. As marcas que deixaram no coração de seus descendentes é uma herança benéfica e duradoura. Há outras pessoas cuja vida ultrapassou os limites de sua família ou o círculo de seus amigos. Esse é o caso daquele que nos trouxe aqui, nesta manhã, no Santuário do Senhor Bom Jesus do Bonfim: o jornalista e professor Jorge Calmon.” Foi assim que comecei a homilia, no dia 7 de julho p.p., quando se celebrava o centenário de nascimento do jornalista que, por várias décadas, trabalhou e dirigiu o jornal A TARDE. Em seguida, observei: “A celebração do centenário de seu nascimento não é apenas um acontecimento familiar, que envolve seus parentes; não é tão somente a festa de seus amigos, que aproveitam o acontecimento para recordar palavras, fatos e situações que envolveram aquele que entrou profundamente em suas vidas; a celebração de seu centenário é, sim, um acontecimento que envolve a sociedade baiana inteira, pois o jornalista Jorge Calmon foi um homem que ajudou a escrever a História deste Estado.

Uma celebração eucarística não se presta a elogios fúnebres. (…) A função desta celebração religiosa é dupla: em primeiro lugar, somos convidados a rezar pelo jornalista Jorge Calmon, na convicção do que a nossa fé nos dá: para Deus, não há passado ou futuro, mas tudo é um eterno presente. Nossas orações, pois, em qualquer momento que forem feitas, podem atingir aqueles que amamos e perdemos. A esse propósito,  recordo um pedido feito por Santo Ambrósio, Bispo de Milão no século IV. Nos funerais de um amigo, ele assim rezou: “Senhor e Deus, devemos desejar aos outros o bem que desejamos a nós mesmos. Por isso, vos suplico: por favor, não me separeis, depois da morte, daqueles que eu tão ternamente amei na terra”.

A segunda finalidade deste momento religioso é a de olharmos a vida do professor Jorge Calmon sob o prisma da fé. Afinal, cada pessoa é, para nós, um sinal do amor de Deus. Através de cada ser humano, Deus nos ensina alguma coisa. É importante, pois, sabermos descobrir esses sinais e guardar as lições que cada pessoa nos transmitiu. É, pois, com o olhar da fé que procuraremos descobrir o que nosso Deus e Pai nos ensina através da vida deste jornalista.

Seria pouco, seria muito pouco se sobrevivêssemos apenas na memória dos homens. Não valeria a pena tanto trabalho, sacrifício e dedicação, pois tal memória é superficial e efêmera. Os nomes de rua são trocados de tempos em tempos; os prédios que levam nomes de pessoas ilustres são demolidos; bustos de bronze são roubados; e os próprios livros de História mudam seus conceitos, ao sabor do tempo e das convicções daqueles que os escrevem. Só o pensamento de Deus é sempre o mesmo. Ora, Deus nos criou para Si e, rompida nossa amizade com Ele pelo pecado, nos enviou seu Filho Jesus Cristo para restabelecer nossa união com Ele. No batismo fomos introduzidos na vida da Santíssima Trindade. Nessa perspectiva, a morte de uma pessoa é a sua verdadeira Páscoa – isto é, sua passagem para aquela vida que nem o apóstolo Paulo soube definir e daí suas palavras à comunidade de Corinto: “O que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu” (1Cor 2,9).

Não conheci pessoalmente o jornalista que nos trouxe hoje aqui. Mas, a partir do que li e ouvi a seu respeito, destaco duas características de sua personalidade. (…) Em primeiro lugar, ele era um homem que cultivava amigos. O Livro do Eclesiástico, quando se refere à amizade, diz aquelas palavras riquíssimas que ouvimos há pouco: “Amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro” (Eclo 6,14).

Uma segunda herança do Jornalista Jorge Calmon é  o seu humor – e o humor, que é um filho da alegria, tem como base a convicção de que não devemos nos levar excessivamente a sério. Fundamenta-se, também, na certeza de que não vale a pena darmos a títulos, a bens ou ao poder um valor absoluto. Jesus nos disse: “Que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11). Faltam, em nosso mundo, profetas da alegria. O homem moderno, que tem conseguido inventar tanta coisa, não conseguiu inventar a alegria. Nos supermercados da vida, não há gôndola com esse produto. Ora, a alegria que não passa, que atravessa momentos de dificuldade ou de dor, tem, necessariamente, a marca de Cristo; é fruto da aceitação de sua pessoa em nossa vida. E é essa alegria que peço que Deus dê a todos – e a dê em abundância”.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil