A Sinodalidade: um Dom do Ressuscitado

Por padre Jorge Valois*

Neste tempo da Páscoa, é interessante refletir sobre as diversas graças que recebemos do mistério pascal de Cristo. A vitória de Cristo traz em si os prêmios devidos, entre eles, podemos destacar aqui a constituição da Igreja, que é “um reino de sacerdotes e uma nação santa” (1Pd 2,9), povo resgatado pelo Sangue do Cordeiro, chamado a ser no mundo sinal de comunhão.

Cristo é aquele que, por sua morte e ressurreição, “veio reunir, em um só corpo, os filhos de Deus dispersos” (Jo 11,52). De fato, depois da morte do Senhor, todos se dispersaram, cada um já estava voltando à vida de antes, pois eles esperavam que Jesus fosse redimir Israel, mas já faz três dias que ele foi morto (Lc 24, 21). Por sua ressurreição, o Senhor reúne aqueles que já estavam dispersos e sem esperança. Por isso, em muitas aparições do Ressuscitado, o Senhor se coloca no meio dos seus discípulos, dando-nos a entender que o Cristo ressuscitado é o elo que une os discípulos entre si, Ele é a pedra angular da comunidade de fé, o fundamento de todo edifício espiritual da Igreja.

Assim, a sinodalidade na Igreja não pode ser pensada desconectada da experiência do Senhor ressuscitado que se coloca no meio. É essa presença gloriosa de Jesus que torna possível realizar o exercício da escuta sinodal, não como um debate de ideias, em que preciso usar de todos os argumentos e recursos possíveis, para que as minhas ideias prevaleçam, mas experimentar a comunidade reunida, que é sacramento do Cristo glorioso. Se a comunidade de fé é sacramento, ela é presença viva do Ressuscitado. Logo, ela é o lugar da manifestação do Senhor, lugar onde Ele comunica o seu Espírito e nos revela a sua vontade, conferindo-nos uma missão.

Em vista disso, o exercício da sinodalidade, por meio da realização de assembleias, conselhos pastorais e diálogos no Espírito, nos leva a tocar a presença do Ressuscitado no meio do seu povo. Para isso, é necessário o dom da fé, para não confundir o Cristo glorioso com um fantasma (Lc 24,37), deixando-se levar pelo engano de que ser sinodal é simplesmente seguir a lógica da maioria democrática ou das ideologias dominantes, sem levar em conta que a ressurreição de Cristo é o cumprimento de tudo aquilo que está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos (Lc 24, 44). Ou seja, a vontade do Senhor para a sua Igreja não é algo que simplesmente é fruto de uma opinião pensada a partir de tendências do mundo atual, mas deve ter seu enraizamento nas fontes da Revelação, na Sagrada Escritura, na Tradição e no Magistério da Igreja, pois “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). Assim, ser sinodal não é uma escuta e um discernimento a partir apenas dos dados e apelos do tempo presente, mas, também e sobretudo, a partir do edifício doutrinal revelado e acreditado pela Igreja, transmitido pelos apóstolos até nós.

Como o apóstolo Tomé, somos chamados a tocar nas chagas gloriosas do Senhor, presentes na comunidade eclesial. O exercício sinodal, a escuta mútua, o diálogo espiritual e o discernimento nos permitem tocar as chagas do Cristo e também reconhecer como o apóstolo: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Não percamos essa graça, como Tomé, que não fez logo a experiência com o Ressuscitado porque não estava na comunidade, quando Jesus se manifestou pela primeira vez aos apóstolos. “Não deixemos nossas assembleias” (Hb 10,25), pois, na oração, na escuta e no diálogo comum, o Senhor ressuscitado também se revelará a nós!

*Padre Jorge Valois (ao lado do Cardeal Dom Sergio da Rocha) é sacerdote do clero da Arquidiocese de São Salvador da Bahia – Foto: arquivo pessoal