Arquidiocese de São Salvador da Bahia
Salvador – Quinta-feira Santa de 2020 – MISSA DO CRISMA
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Administrador Apostólico
- “O Espirito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu…” (Is 61,1). Esse testemunho do profeta Isaías nos é muito caro porque resume a convicção que temos, desde que fomos ordenados sacerdotes. Tal convicção, que poderia ser motivo de vaidade para nós, torna-se um programa de vida, mesmo porque o profeta continua: “enviou-me para…”, e cita uma série de trabalhos e responsabilidades que envolverão sua vida. Jesus Cristo, o sacerdote eterno, afirmou que essa passagem se referia não tanto ao profeta Isaías, mas a ele mesmo, enviado pelo Pai para que todos se salvem.
- Depois de nove anos nesta Arquidiocese, era meu desejo vê-los ainda uma vez perto do altar de nossa bela Catedral, para poder lhes dirigir palavras de despedida. É verdade que poderemos nos encontrar ainda em outras oportunidades; mas no momento que vivemos, de isolamento e incertezas, torna-se difícil fazer qualquer prognóstico. Assim, procurarei sintetizar em três pontos o muito que gostaria de lhes dizer hoje: o amor a Jesus Cristo; a fecundidade de nosso sacerdócio e nosso compromisso com o povo.
- 1º – O amor a Jesus Cristo. Quando formos ordenados sacerdotes, uma figura se impôs diante de nós: a do Bom Pastor. Por trás dessa imagem há vida e movimento, pois lembra o carinho do Pastor que vai atrás das ovelhinhas, que as toma no colo ou as coloca em seus ombros. Curiosa a Semana Santa deste ano: precisamos nos isolar, dizer para as ovelhinhas não se reunirem e suspendemos as celebrações com medo de que sejam contaminadas pelo coronavírus. Não pudemos dedicar o tempo que gostaríamos para acolhê-las no sacramento da Penitência e nem para contemplar, juntos com elas, o Salvador que toma a cruz e vai em direção do Calvário. Também não poderemos nos reunir para com elas celebrar a festa da Páscoa e cantar que a vida tem a última palavra sobre o pecado e a morte. Que lição poderemos tirar disso? Penso que, para nossas ovelhinhas, uma lição vai se impor: como precisam do padre! Quanto bem faz um sacerdote em sua comunidade! Que força, conforto e incentivo lhes transmite o presbítero no dia a dia! E para todos nós, sacerdotes, uma certeza: valeu à pena ter dito “sim” ao Senhor que um dia nos chamou, nos ungiu e nos envia para cuidar de suas ovelhinhas.
- Na recente Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Querida Amazônia!”, o Papa Francisco lembrou que “o modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do sacerdote, o que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que esse caráter exclusivo recebido na Ordem deixa só ele habilitado para presidir à Eucaristia. Esta é a sua função específica, principal e não delegável. (…) Quando se afirma que o sacerdote é sinal de “Cristo cabeça”, o significado principal é que Cristo constitui a fonte da graça: Ele é cabeça da Igreja porque tem o poder de comunicar a graça a todos os membros da Igreja. O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama graça, antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida cristã. (…) Há outras palavras que só ele pode pronunciar: “Eu te absolvo dos teus pecados…” Nesses dois sacramentos, está o coração de sua identidade exclusiva.” (QA, 87-88).
- Além disso, o povo de Deus tem direito de receber de nós o anúncio alegre do Evangelho. Esse anúncio “inclui três grandes verdades que todos precisamos escutar várias vezes” (Papa Francisco, Christus vivit, 111): 1ª) Deus te ama! Sim, nunca podemos duvidar: em qualquer circunstância, cada um de nós é infinitamente amado. 2ª) Cristo te salva! Afinal, por amor ele se entregou até o fim para nos salvar. Seu amor “é maior do que todas as nossas contradições, que todas as nossas fragilidades e que todas as nossas mesquinharias” (id., 119). 3ª) “Ele vive!” Por isso, ele pode estar presente em cada momento de nossa vida para enchê-lo de luz, para “preencher tudo com sua presença invisível” (id. 124-125).
- “O Espirito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu…” O segundo ponto sobre o qual quero refletir é sobre a fecundidade de nosso sacerdócio. Queremos que nosso sacerdócio produza frutos, beneficie pessoas e comunidades. Desejamos que pelo dom de nossa vida muitos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.
- Para não me alongar, vou direto ao essencial: Jesus, sumo e eterno Sacerdote, deixou-nos o segredo da fecundidade de nosso sacerdócio quando disse: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns para com os outros” (Jo 12,35). Assim, a fecundidade de nosso ministério sacerdotal dependerá da unidade de cada um de nós com os demais sacerdotes, particularmente aqueles que fazem parte do mesmo presbitério – e aqui incluo tanto os sacerdotes diocesanos como os religiosos.
- Tão difícil é tal unidade que Jesus a incluiu em sua Oração Sacerdotal: “Pai, que eles sejam um” (Jo 17,21). Os sacerdotes de um presbitério não se escolhem. Temos modos de pensar diversos. Nossos temperamentos são diferentes. Mas estamos unidos em torno de Jesus e por causa dele. É por causa dele que procuramos a unidade. É porque queremos que nosso ministério sacerdotal seja fecundo que somos chamados a nos perdoar mutuamente e a aceitar o outro como é, não como gostaríamos que fosse.
- “O Espirito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu…” Enfim, o terceiro ponto sobre o qual gostaria de me debruçar diz respeito ao nosso compromisso com o povo. Na celebração de nossa ordenação presbiteral, o bispo ordenante nos perguntou: “Queres unir-te cada vez mais ao Cristo, sumo Sacerdote, que se entregou ao Pai por nós, e ser com ele consagrado a Deus para salvação da humanidade?” Cada um de nós não só respondeu: “Quero”, mas “Quero, com a graça de Deus”. Demonstramos, assim, reconhecer nossos limites e pobreza, e exaltamos a força dos dons de Deus.
- A graça divina nunca nos faltará, mesmo porque a salvação das almas é a lei suprema da Igreja. A Igreja existe para pregar o Evangelho e, assim, possibilitar a todos a salvação. A fonte dessa graça é o Coração de Cristo aberto pela lança no alto do Calvário. Desse Coração continua a sair sangue e água – isto é, a Igreja e os sacramentos. E somos nós os distribuidores dessa água que purifica e desse sangue que salva a humanidade. Que privilégio! Que responsabilidade!
- Hoje, no dia em que nosso ministério foi instituído, coloco-os sob a proteção de Nossa Senhora. Ela foi testemunha dos caminhos que seu Filho precisou percorrer por ser Sacerdote – sumo e eterno Sacerdote. Que ela interceda por vocês, seus filhos queridos, para que sejam fortes nos momentos em que as dificuldades quiserem abatê-los; alegres quando a decepção e a tristeza quiserem dominar seus corações; e mansos e humildes de coração, para serem semelhantes a seu Filho, Jesus Sacerdote!