Deus é amor

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

 

“Deus é amor” é uma expressão bastante difundida e apreciada para definir o próprio Deus, que está na Primeira Carta de João (4,16) e encontra-se fundamentada no ensinamento e nas ações de Jesus. A afirmação pode parecer óbvia, especialmente para os cristãos familiarizados com a expressão joanina, ou considerada simples demais, a ponto de não merecer a devida importância. A questão, além da sua dimensão teológica, tem profundas implicações de ordem prática, principalmente nos âmbitos da espiritualidade e da moral. Numa época marcada por acentuado pluralismo e forte tendência ao subjetivismo, é necessário recordar a noção bíblica que parece tão elementar, mas que não pode ser jamais esquecida ou banalizada, “Deus é amor”.

Bento XVI, falecido recentemente como “papa emérito” e bastante conhecido como grande teólogo, escreveu uma carta-encíclica de especial importância e atualidade, denominada justamente “Deus é amor”, em latim “Deus caritas est”. O texto, publicado em 25 de dezembro de 2005, conserva a sua atualidade e tem uma importância que ultrapassa as fronteiras da Igreja Católica, interpelando a cristãos e crentes em Deus das diversas confissões religiosas, bem como a homens e mulheres que buscam, com retidão, a verdade, a justiça e a paz. Tendo sido ele, antes de ser escolhido papa, o responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano, muitos esperavam que a sua primeira encíclica abordasse outro tipo de tema no âmbito doutrinal e não o “amor”, que geralmente é considerado importante por todos, mas nem sempre entendido como indispensável na vida de uma pessoa ou comunidade. O amor é essencial na compreensão de Deus e da vida; não é algo secundário ou dispensável.

A bela e inspiradora carta de Bento XVI continuará a inspirar a reflexão e a ação de muitas pessoas e comunidades sobre o amor que é “caritas”, tema que tem sido desenvolvido e testemunhado de modo admirável por Francisco, seu sucessor, com palavras e gestos de grande significado, ressaltando a beleza e a urgência do amor vivido na gratuidade, à semelhança do amor de Deus por nós.

Num tempo marcado por guerras e conflitos, por tantas formas de violência, por ressentimentos e vingança, é preciso recordar enfaticamente que “Deus é amor” e, por isso, que aqueles que nele creem são chamados a amar como ele ama e ensina a amar, sem excluir ninguém. É preciso aprender ou reaprender a amar antes de ser amado e a amar mais do que ser amado. A violência praticada com pretensa motivação religiosa não condiz com a fé em Deus que é “amor”. O ser humano criado à “imagem e semelhança de Deus” é capaz de amar e de estabelecer relacionamentos fraternos e pacíficos.  Para tanto, contam muito os esforços de cada um, mas também as iniciativas comunitárias e as ações políticas que permitam visibilizar sempre mais o amor humano sustentado pelo amor de Deus.

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 12 de março de 2023.