Deus é misericórdia ou é misericordioso?

Padre Lourival Silva da Cruz

Reitor do Santuário Coração Eucarístico de Jesus (Igreja de São Raimundo)

Uma das graças que experimentei durante o período em que estive como formador, do nosso Seminário Arquidiocesano, foi a partilha sincera do coração de muitos jovens. Recordo que certa vez escutei entre eles um questionamento: Deus é misericórdia ou Deus é misericordioso? De maneira saudável e equilibrada, depois de alguns instantes e exposição sobre o tema o foco da discussão passou ser quem melhor apresentava seu argumento, ou seja, quem estava com a razão? Afinal, Deus é misericórdia ou é misericordioso?

Isso me fez recordar das palavras do Papa Francisco em sua homilia, na Santa Missa Crismal: “lembremo-nos também de que cada um de nós sabe em que medida tantas vezes somos cegos, estamos privados da luz maravilhosa da fé, e não porque nos falte o Evangelho ao alcance da mão, mas por um excesso de teologias complicadas”. Sendo assim, este artigo não tem a pretensão de ser um início de um tratado teológico, sobre a Misericórdia Divina, mas um convite para viver a misericórdia de Deus em nossa vida e uma vez aprendendo com Ele, sermos misericordiosos uns com os outros.

É simples de compreender e aceitar que a Misericórdia é um atributo divino ou como sugere algumas fontes de pesquisa, uma qualidade atribuída a Deus que coincide com sua essência. Para o Apóstolo Paulo Deus é rico em Misericórdia (cf. Ef 2,4), é o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação (2Cor 1,3). Não se deve pensar que ele é “alguém” que tem impulsos ocasionais, Deus é essencialmente misericordioso. Aqui encontra-se o ponto chave, para releitura da nossa vida a partir da compreensão da Misericórdia Divina.

Partindo do princípio de que todos nós somos chamados por Deus à vida, manifestada no caminho de santidade, encontramos na Divina Misericórdia a força para melhor viver este chamado, quando pelo peso de nossos pecados e feridos pelas escolhas equivocadas em nossa vida, Jesus revela o rosto da misericórdia, o Amor do Pai por cada um de nós e nos recomenda através de Santa Faustina: Procura conhecer a Deus, refletindo sobre os Seus atributos, que seu amor não engana ninguém e que como Deus é na Sua Essência, ninguém compreenderá, nem a inteligência dos anjos, nem a humana.

Na Bula de proclamação do Jubileu extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco afirma que a “A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa”. A Divina Misericórdia expressa, portanto, o desejo de Deus, por meio do Filho, de que nenhum dos que a ele foi confiado se percam. Por isso inflama nosso coração sacerdotal a anunciar sua grande misericórdia para com as almas pecadoras e que o pecador não tenha medo de se aproximar da sua Misericórdia.

Por fim, “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançaram a misericórdia”, expressa o convite de nos aproximarmos um dos outros da mesma forma que Deus se aproxima de cada um de nós. Não é próprio do ser humano a misericórdia, e sim de Deus. É d’Ele que se deve aprender – “Sede misericordioso como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Isso é possível quando reconsideramos toda existência sob a ótica do Filho, na qual se revela a capacidade de sermos mais compreensivo e acolhedor diante das fraquezas alheias, com sentimento de compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência, virtudes que por sua vez revelam a Divina Misericórdia.

Fontes Consultadas:

Bíblia de Jerusalém.

Diário de Santa Faustina.

Dicionário de Paulo e suas cartas.

A Felicidade na perspectiva bíblia – Padre Lourival Silva da Cruz.

http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30111980_dives-in-misericordia.pdf

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2016/documents/papa-francesco_20160324_omelia-crisma.html

Misericordiae Vultus – Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (11 de abril de 2015) | Francisco (vatican.va)