Números trágicos

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

 

A chegada da vacina tem trazido esperança, mas não permite decretar o fim da pandemia, nem descuidar das medidas de saúde pública para evitar o contágio e preservar a vida. Infelizmente, a flexibilização das medidas sanitárias não tem sido acompanhada do cuidado responsável pela vida por muita gente. É preocupante a persistência de aglomerações e festas contrariando o bom senso, a ciência e a ética.

Os números divulgados pela mídia continuam alarmantes. Não podemos ver diariamente tantas mortes pela COVID-19 como algo normal ou mera fatalidade. Não podemos esquecer que por trás dos números estão vidas ceifadas e famílias enlutadas. É brutal assistir comodamente números tão sinistros. São números que choram e fazem chorar. Não podemos perder a capacidade humana de chorar diante de tantas mortes e de indignar-se diante de posturas irresponsáveis, denunciadas frequentemente pela mídia. É lamentável ignorar as medidas sanitárias e agir de modo irresponsável, após tantas informações científicas e um ano e meio de pandemia. A irresponsabilidade é de gravidade extrema, configurando um “pecado mortal”, segundo a tradicional categoria teológica e doutrinal católica. É pecado mortal por sua matéria grave e por ser praticado com conhecimento e liberdade. É “mortal” porque gera a morte. Poderia ser incluído na lista dos “pecados que bradam aos céus” e clamam por justiça. Quem nada ou pouco faz para evitar contágios da COVID-19 necessita de conversão e penitência.

É preciso dar um basta à politização da pandemia, às disputas ideológicas, aos interesses políticos particulares, à indiferença, à falsa oposição entre economia e vida, que causam tanto sofrimento e morte. O inimigo comum a ser combatido é o COVID-19. O momento deve ser de corresponsabilidade, de união de esforços em vista do bem da população, especialmente das pessoas mais vulneráveis. O acesso de todos à vacina deve ser assegurado e as medidas sanitárias devem ser cumpridas. Muitas pessoas estão cansadas e fragilizadas pelos efeitos econômicos e sociais da pandemia, mas não podemos desistir de lutar contra a COVID-19, observando as medidas de saúde pública necessárias para evitar contágios, pois a irresponsabilidade de uns pode custar vidas de outros.

Entretanto, é motivo de gratidão, de ação de graças e esperança, os esforços generosos e a dedicação de tantas pessoas, comunidades e instituições, que têm contribuído para o enfrentamento da pandemia. Somos todos chamados a contribuir para a superação da pandemia. O que alguém faz ou deixa de fazer repercute na vida dos outros, podendo causar a morte. É tempo de responsabilidade redobrada, de compaixão e solidariedade, que nos permitam anunciar o fim de números tão trágicos!

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 6 de junho de 2021.