O caminho do céu: descer e subir

Dom Hélio Pereira dos Santos

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Salvador

 

O caminho para o céu comporta muitos altos e baixos. Ninguém voa para o céu sem passar por turbulências.  À medida que tomamos consciência das nossas limitações, dos nossos pecados, damos os passos na direção de Deus que, sem perder oportunidade, aproveita até dos espaços quebrados do nosso ser para entrar em nossa vida e nos elevar.

Para subir à presença de Deus temos que descer da importância, descer do presbitério, descer da montanha, descer do título e andar no chão de nossa realidade, percorrendo a planície do serviço e da valorização de tantos que caminham conosco.  Quanto mais firmes os pés no chão, mais chance para galgar com sucesso o caminho do céu.

Na História da Salvação nos deparamos com muitos exemplos de pessoas que no caminho para Deus tiveram que primeiro descer. José (Gn 37,1s) desceu ao fundo do poço pela inveja dos irmãos. Na sequência José desceu ao Egito onde foi vendido para Putifar.  No Egito José desceu a prisão por falso testemunho levantado pela mulher de seu senhor.  Por fim, José subiu, saindo de todas essas situações, dando primazia a Deus e à fraternidade.

Davi (Livros 1 e 2 de Samuel) o caçula, o último dos herdeiros, ao contrário do irmãos caçadores e guerreiros, desceu ao campo para cuidar de ovelhas.  O excluído daquela família foi exaltado por Deus e se tornou Rei de Judá e de Israel. Davi desceu quando mandou matar Urias para ficar com Betsabéia, esposa de Urias (2 Samuel 11,1s), mas subiu a Deus quando se arrependeu e pediu perdão (2 Samuel 12,13).

Deus ordenou Jeremias a descer à casa do oleiro (Jeremias 18,2). Jeremias deve ter estranhado a ordem de Deus.  Ir a um lugar de barro, de lama?  Nós, às vezes, estranhamos quando recebemos uma missão para um lugar que achamos sem futuro.  Deus com o trabalho do oleiro em consertar um vaso, transformando-o em vaso novo, passa uma grande lição a Jeremias.

Ezequiel (Ez 37, 1-14) desceu a um vale de ossos secos e lá subiu na compreensão do poder de Deus que fez os ossos viverem, firmando-se como um imenso exército.

Agur perguntou: “Quem subiu ao céu e de lá desceu?” (Provérbios 30,4). Muitos séculos mais tarde, Jesus, dirigindo-se a Nicodemos, deu a resposta: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem”(João 3,13). Notamos que até Jesus, o Filho Deus, passou pela dinâmica de descer e subir.

Naamã (2 Reis 5,1-27) recebeu a ordem do profeta Eliseu para descer ao Jordão, mas ficou irritado, pois se encontrava no pedestal do orgulho de chefe do exército do rei Aram e conhecia muitos rios limpos como os de Damasco. Depois Naamã desceu ao Jordão e foi curado, seguindo na direção do céu ao revelar seu entendimento sobre Deus.

Sidrac, Misac e Abdênago (Daniel 3,1-100) por não adorarem a estátua de ouro desceram à fornalha. Na mesma linha do testemunho de fidelidade ao Deus verdadeiro, temos a história de Daniel que desceu à cova dos leões (Daniel 6, 2-29).

O Novo Testamento também tem muitas histórias de descidas e subidas no caminho para Deus: a descida dos discípulos do Tabor (Mt 17, 9); o bom samaritano (Lc 10, 30-37); o Apóstolo Paulo desceu do “cavalo da presunção” (Atos 9,3-5); Zaqueu desceu ao encontro de Jesus (Lc 19,1-10).

Ao longo dos tempos, homens e mulheres passaram por quedas e buscas do infinito. Santos! Deus seja louvado. Pecadores! Deus seja buscado, pois, a fraqueza humana e até o pecado abrem o acesso para Deus, como cantamos no Hino da Proclamação da Páscoa: “Ó pecado de Adão indispensável, / pois o Cristo o dissolve em seu amor; / ó culpa tão feliz, que há merecido / a graça de um tão grande redentor!”.