Poucos projetos pareceriam tão inconsistentes como o da Igreja: uma instituição colocada nas mãos de pescadores, quase sem nenhuma estruturação e tendo à frente um fundador que, ao morrer numa cruz, foi abandonado até pelos amigos mais próximos. Que obra nascida assim teria algum futuro?
Antes de deixar seus discípulos e enfrentar a morte, Jesus os reuniu, para lhes fazer as últimas recomendações; especialmente um pedido e uma promessa. O pedido: “Não se perturbe o vosso coração!”. A promessa: “Não vos deixarei órfãos”. Para isso, garantiu que lhes enviaria o Espírito da Verdade, que tudo ensinaria e que lhes faria recordar o que ele próprio lhes falara. O Espírito Santo não falaria de si mesmo, mas levaria os seguidores de Jesus à verdade plena (cf. Jo 14,1-26).
A ação do Espírito Santo foi constante na vida do mundo, na história do povo escolhido e na vida de Cristo. No ato da criação, por exemplo, “o espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2); na Anunciação, o mensageiro divino falou a Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra…” (Lc 1,35); e, no início da proclamação do Reino, Jesus, uma vez batizado, “subiu imediatamente da água e logo os céus se abriram e ele viu o Espírito de Deus descendo…” (Mt 3,16).
O Espírito Santo, comunhão entre o Pai e o Filho, sacramento do amor eterno, é, na vida dos cristãos, princípio de unidade e fonte da vida nova que Jesus trouxe. Por isso, só quando ele age há autêntica renovação dos homens e da sociedade. Ele é que desperta nos povos os anseios de justiça e fraternidade, de liberdade e amor.
“Eu creio no Espírito Santo”, dizemos solenemente, ao proclamar a nossa fé. Ecoa em nossos ouvidos a afirmação de Cristo, por ocasião de sua despedida: “Recebereis uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8).
Fazemos parte de um povo que tem direito de ouvir o anúncio do nome, da doutrina, da vida, das promessas e do mistério de Jesus de Nazaré. É na força do Espírito Santo que tal anúncio é feito, pois ele é que anima os evangelizadores e os assiste para que transmitam a verdade total.
A adesão a Jesus Cristo não pode permanecer abstrata e desencarnada: ela se concretiza nas comunidades de fiéis. Graças à ação do Espírito Santo, essas comunidades recebem os carismas de que necessitam, tornam-se capazes de vencer desafios e de crescer na unidade. Embora sopre onde queira, ele privilegia os fracos (“os vasos de barro” – S. Paulo), já que neles transparece melhor a obra de Deus.
Hoje, o Espírito Santo não cessa de estar presente em nosso mundo. Encontra, porém, resistência, principalmente por parte do “Príncipe deste mundo”, que trabalha contra a união da criatura com o Criador, leva o homem ao pecado e o conduz ao materialismo e ao ateísmo. Em oposição, o Espírito Santo chama as pessoas à conversão, une o sofrimento humano ao de Cristo e concede aos apóstolos e seus sucessores o poder de perdoar os pecados.
Nosso mundo está impregnado de sinais de morte: aí estão a violência, as guerras, a fome, o aborto, a eutanásia, o terrorismo etc. Mas, sob a ação do Espírito Santo, manifestam-se no mundo inúmeros sinais de vida: pessoas que trabalham pela a paz, homens e mulheres que dedicam sua vida para diminuir a dor de quem sofre, cientistas que buscam respostas para os desafios que se renovam etc.
Pentecostes – solenidade que celebramos hoje – não é um acontecimento do passado: a Igreja está sempre no Cenáculo e persevera na oração, com os apóstolos e com Maria, a Mãe de Jesus.
Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil