Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
Cada dia comentamos, discutimos e criticamos o que acontece ao nosso redor. Ao fazermos isso, entram em ação princípios, valores e conceitos que guiam a nossa vida. Assim, quando alguém julga uma notícia, o faz a partir do que acredita ser certo ou errado. Um ponto de vista é sempre a vista de um ponto. Quem está em outro ponto, em outra situação, e tem valores diferentes, chegará a outras conclusões. Fazer, pois, a mais simples observação é revelar quem somos, o que queremos e em que acreditamos.
As pessoas que mais admiramos e que deixaram em nós uma profunda impressão tocaram-nos profundamente devido a unidade de sua vida, a coerência entre suas palavras e seus comportamentos, e a convicção que as conduzia.
A vida é marcada por surpresas. Não raramente nos coloca diante de situações para as quais não temos tempo de nos preparar. Por isso mesmo, alguém já disse que “os acontecimentos não nos tornam piores; apenas nos mostram o que somos”. Assim, quem não se guia por princípios ou não tem motivações profundas, acaba sendo um joguete nas mãos da opinião pública (leia-se: televisão, jornais e revistas, redes sociais etc.).
Para termos unidade interna (“personalidade”, dirão alguns), há necessidade de uma constante revisão de vida – isto é, de uma crítica às nossas motivações e às ideias que nos conduzem. Tento explicar-me: quando vemos uma partida de futebol pela televisão, agrada-nos ver o gol repetido sob vários ângulos, inclusive em câmera lenta. Assim, captamos detalhes que, no primeiro momento, nem havíamos percebido. O mesmo vale para determinados acontecimentos de nossa vida. Revendo-os, percebemos melhor nossos acertos, podendo, então, repeti-los; ou constatamos nossos erros, tendo condições, pois, de evitá-los.
Quem se guia pela fé, pode fazer isso à luz de algumas perguntas: em que tal acontecimento correspondeu à vontade de Deus? Beneficiou os outros? Como Jesus Cristo teria agido naquela situação concreta? No futuro, em situação semelhante, como deverei agir? Etc.
As pessoas que fazem frequentemente uma revisão da própria vida acabam percebendo quanto a vida humana é frágil, complexa e delicada. Tal constatação nos torna humildes e compreensivos, dispostos a perdoar os demais, pois tomamos consciência de que por trás de cada ação humana há uma pessoa que, como nós, ama e se alegra, sofre e faz planos, tem esperanças e decepções.
Se nós mesmos nos surpreendemos com certas palavras que dizemos, com comportamentos que temos e com decisões que, inesperadamente, tomamos, como ser tão rigorosos no julgamento dos outros? Que direito temos, pois, de divulgar e comentar palavras ou gestos com os quais seus próprios autores não se identificam e, se pudessem, os “deletariam” imediatamente?
“Não julgueis, e não sereis julgados”, nos ensinou Jesus. “Pois com o mesmo julgamento com que julgardes os outros sereis julgados; e a mesma medida que usardes para os outros servirá para vós” (Mt 7,1-2). Quanto realismo nessa afirmação! Nossos julgamentos, feitos a partir de um determinado ponto de vista, são, portanto, parciais, incompletos e, geralmente, superficiais e injustos. Não é essa a percepção que temos, quando somos informados de uma crítica que fizeram contra nós, de uma observação sobre um comportamento que tivemos ou de uma palavra que dissemos e que foi repassada fora do contexto em que foi dita?…
A revisão de vida nos leva a parar para caminhar melhor; nos torna realistas e reforça nossas convicções; nos leva a ser simples e compreensivos – além de nos ajudar a descobrir a razão de Jesus ter insistido tanto na importância do perdão.



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