Reflexão sobre o Evangelho do 21º Domingo do Tempo Comum

Confira o Evangelho do 21º Domingo do Tempo Comum (25 de agosto) e a homilia preparada pelo pároco da Paróquia São João Evangelista (Vilas do Atlântico) e assistente eclesiástico do Serviço Arquidiocesano de Animaçãoo Bíblico-catequética, padre José Carlos Ferreira:

Evangelho (Jo 6,60-69)

— Aleluia, Aleluia, Aleluia.

— Ó Senhor, vossas palavras são espírito e vida; as palavras que dizeis são de eterna vida.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João 

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, 60muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” 61Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? 62E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? 63O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. 64Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. 65E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. 66A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. 67Então, Jesus disse aos doze: “Vós também quereis ir embora?” 68Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

 

Reflexão

Padre José Carlos

A Liturgia desse 21º domingo do Ano B, encerra as cinco semanas de estudo sobre o texto do capítulo seis do Evangelho de São João. Depois ter saciado a fome da multidão que o seguia (cf. Jo 6,1-15), gerou-se um discursão em torno do discurso de Jesus a respeito do pão da vida, do comer a sua carne e beber o seu sangue em nome da salvação para a vida do mundo. A multidão esperava de Jesus uma proposta humana que conduzisse ao triunfo e à glória; mas Jesus sabia claramente que o caminho que tinha para propor era o caminho da cruz, da vida dada até ao extremo, por amor. Percebendo que a proposta do plano de Deus para a humanidade não estava clara para a multidão, Jesus não quis alimentar um mal-entendido no “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59), então procurou deixar clara a sua proposta.

Gostaria de destacar alguns pontos que me parecem importantes. Primeiro, quando se diz que muitos dos discípulos de Jesus, ao escutá-lo, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” é uma referência específica ao que Ele tinha acabado de falar naquele discurso feito na sinagoga de Cafarnaum, no dia seguinte à partilha dos pães e dos peixes. “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes da carne e não beberdes do sangue do Filho do Homem, não terás a vida eterna”. Então, os discípulos respondem: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Portanto, a gravidade das palavras de Jesus na Sinagoga é mostrada aqui. Para os discípulos, que estavam familiarizados com os textos da Torá, essa afirmação de Jesus era especialmente difícil, pois no Levítico 17,10-14, a Lei de Moisés, é muito clara, em proibir que qualquer israelita, ou mesmo um estrangeiro que habite entre eles, consuma qualquer espécie de sangue. Assim, essa palavra de Jesus, sobre beber seu sangue, era muito dura, muito difícil de ser compreendida por eles. Seria ofensiva, e até mesmo incompreensível, aceitar ou ouvir alguém falar assim, porque poderia parecer que Jesus estava desafiando a Lei de Moisés.

Observem aonde e pra quem Jesus está falando; em uma sinagoga e para os judeus, todos conhecem a Lei de Moisés. Para muitos deles, as palavras que ouviram são insuportáveis. Eles não estavam preparados para tanta exigência. Escandalizavam-se com a proposta que Jesus lhes apresentava. É aqui que nasce a ruptura. “…já não andavam mais com ele” (cf. Jo 6,66). No entanto, Jesus não muda o discurso, pelo contrário, consciente de que alguns dos discípulos o seguiam pelas razões erradas, Ele não suaviza a radicalidade de sua proposta. “Mas há alguns entre vós que não creem… Pois desde o princípio Jesus sabia quais eram os que não criam e quem o havia de trair” (cf. 6,64-65). Consciente da sua missão, Jesus mantem firmemente a decisão de apresentar a proposta salvadora do Pai a todos os homens e mulheres. “Ele prosseguiu: ‘Por isso, vos disse: Ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lho for concedido”. (cf. Jo 6,65).

Mesmo que muitos já não andassem mais com Ele, Jesus continua em seu firme propósito. É, então, que Ele diz algo muito chocante, ao se voltar para o grupo mais restrito dos “Doze”. “Também vós quereis ir embora?” (v. 67). Note-se que Jesus, mesmo depois dos acontecimentos recentes, não dá qualquer sinal de suavizar as suas exigências anteriores ou de atenuar a radicalidade da sua proposta. O projeto – esse projeto que o Pai lhe confiou – mantém-se tal e qual, sem mudar absolutamente nada. Porém, confrontados com esta opção fundamental, os Doze tomam posição. Simão Pedro, diz: “Senhor, a quem iriamos nós? Só tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus” (vers. 68-69). É consenso no grupo, pela voz de Pedro, que só com Jesus iremos responder à finalidade da vida, o propósito do viver. Mesmo que os caminhos oferecidos por Jesus sejam exigentes, ainda assim, vale muito apena. No entanto, muitos, até hoje, não entendem e se recusam segui-lo.

Agora notem que há um elo temático entre a primeira leitura de Josué e o santo evangelho. Josué reúne as doze tribos de Israel para que façam uma escolha: servir ao Senhor com exclusividade ou servir aos deuses estrangeiros. E Jesus também pergunta aos Doze discípulos: “Quereis vós também retirar-vos?”, Vão aceitar ou não os meus ensinamentos? Ou vão cair fora? Assim como na assembleia de Siquém, as doze tribos de Israel tiveram que fazer suas escolhas, os Doze discípulos também fizeram a deles. Os dois textos apontam um momento de decisão: servir ao Senhor ou não. Até hoje, Jesus nos permite escolher, Ele não impõe, mas propõe um Caminho, uma Verdade e uma Vida. Você está preparado para aceitar os ensinamentos de Jesus?

E para concluir, penso nas palavras de São João Paulo II na sua Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, onde no parágrafo 18, nos diz: “A aclamação do povo depois da consagração termina com as palavras ‘Vinde, Senhor Jesus’, justamente exprimindo a tensão escatológica que caracteriza a celebração eucarística (cf. 1Cor 11,26). A Eucaristia é tensão para a meta, antegozo da alegria plena prometida por Cristo (cf. Jo 15,11); de certa forma, é antecipação do Paraíso, ‘penhor da futura glória’ A Eucaristia é celebrada na ardente expectativa de Alguém, ou seja, ‘enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador’. Quem se alimenta de Cristo na Eucaristia não precisa esperar o Além para receber a vida eterna: já a possui na terra, como primícias da plenitude futura, que envolverá o homem na sua totalidade. De fato, na Eucaristia recebemos a garantia também da ressurreição do corpo no fim do mundo: ‘Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia’ (Jo 6,54). Esta garantia da ressurreição futura deriva do fato de a carne do Filho do Homem, dada em alimento, é o seu corpo no estado glorioso de ressuscitado. Pela Eucaristia, assimila-se, por assim dizer, o ‘segredo’ da ressurreição. Por isso, Santo Inácio de Antioquia justamente definia o Pão eucarístico como ‘remédio de imortalidade, antídoto para não morrer’.