Tempo de Solidariedade

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

 

Este tempo difícil da pandemia Covid-19 tem sido uma ocasião especial para refletir sobre o sentido e os rumos dados à própria vida e à vida social. A parada forçada no ritmo frenético de vida tem nos obrigado a repensar o caminho a seguir. O distanciamento social para a preservação da vida e da saúde paradoxalmente se revela como tempo de proximidade e de alteridade, pois faz pensar que formamos uma grande família que habita uma casa comum, sem fronteiras. O planeta, tão grande, parece ficar pequeno quando um vírus se espalha e, de algum modo, atinge impiedosamente a todos. A casa parece estreitar-se. Os laços que nos unem parecem mais fortes, ainda que sejam muitas vezes negados ou fragilizados em tantas situações de exclusão. É tempo de solidariedade e de corresponsabilidade no cuidado pela vida. Numa época de afirmação enfática dos direitos individuais, é preciso assegurar, acima de tudo, o bem comum, respeitando sempre a dignidade e os direitos das pessoas.

O distanciamento exigido como medida de saúde pública não implica em fechamento sobre si. Muitos que habitam o mesmo teto, sem tempo para o outro, têm oportunidade de redescobrir a família como dom e tarefa. Estar em casa favorece o crescimento na vida em família, faz redescobrir o outro como irmão e amigo, mas também exige respeito, paciência, correção fraterna e perdão. As redes sociais, ao invés de agressividade e ofensas, podem favorecer a proximidade fraterna, a esperança e a paz, tão necessárias neste tempo sofrido.

Apesar das resistências, é motivo de esperança ver tantas pessoas assumirem medidas restritivas que exigem sacrifícios. O cuidado da vida e da saúde necessita ser compartilhado, cada um fazendo a sua parte, ainda mais com os altos riscos de contágio. Embora seja sempre muito importante o que cada pessoa ou família deva fazer para a superação da pandemia, é inegável o papel dos poderes públicos, especialmente os investimentos na área da saúde. Apesar da situação excepcional causada pela Covid-19, tem sido evidente a necessidade de maior investimento em saúde pública não somente em tempo de pandemia. Não se improvisam melhores condições de vida da população; a superação da miséria, o saneamento básico e a assistência hospitalar exigem atenção permanente e políticas públicas.

No cuidado de si e do outro, é muito importante o cultivo da espiritualidade na vida cotidiana, especialmente em momentos de crise, pois a vida não se reduz à sua dimensão corporal.  Orar e meditar, fazendo a experiência do amor de Deus, é fonte de serenidade e esperança, sustento para a vivência do amor solidário. Neste tempo de pandemia, é preciso conjugar mais os verbos sentir compaixão e cuidar, acolhendo a vida como dom e compromisso. É tempo de solidariedade no cuidado pela vida.

*Artigo publicado no jornal Correio em 27 de julho de 2020.