Vai! Eu te envio ao Faraó!

A Caminhada Penitencial que se realizou domingo passado, em Salvador, fez-me refletir sobre outra Caminhada – a que deu origem às peregrinações religiosas. Refiro-me ao caminho percorrido pelo Povo de Deus, no século XIII aC, do Egito à Terra Prometida. Ao longo de cerca de quarenta anos, esse Povo viveu situações difíceis e dolorosas. Somos convidados a recordá-las, para evitar os erros que ele cometeu e aprender com os seus êxitos. Afinal, nós mesmos estamos sempre caminhando; temos uma meta definida mas, como nossos irmãos hebreus, também devemos abrir novos caminhos. A longa viagem do Egito à Terra Prometida foi uma lembrança permanente na vida do Povo de Deus. As etapas de sua peregrinação, que recebeu o nome de Êxodo (= caminho de saída, ação de sair, partida), encontram-se narradas nos primeiros livros bíblicos.

No pensamento judaico e cristão, o Êxodo tornou-se um modelo clássico da libertação efetuada por Deus, em favor de seu povo. Ele teve início com uma observação feita pelo Senhor a Moisés, quando os hebreus ainda eram escravos no Egito: “Eu vi, eu vi a opressão de meu povo no Egito; ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-lo das mãos dos egípcios e fazê-los sair desse país para uma terra boa e espaçosa, terra onde corre leite e mel… E agora, vai! Eu te envio ao faraó para que faças sair o meu povo, os israelitas, do Egito” (Ex 3,7-8.10).

Ao perceber que estava sendo escolhido para guiar seu povo rumo à libertação, Moisés relutou. Afinal, tinha consciência das dificuldades que o aguardavam e das oposições que enfrentaria. Retrucou, por isso, ao Senhor: “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel?”. A certeza dada pelo Senhor – “Eu estarei contigo” (Ex 3,11-12) –, se não o tranquilizou totalmente, ao menos lhe deu mais confiança.

Aceita a missão, tiveram início os contatos de Moisés com o Faraó, num diálogo difícil e, no mais das vezes, infrutífero. Não menos infrutíferos se mostraram os contatos com seus próprios irmãos. Tudo isso o levou a se queixar ao Senhor: “Eis que os filhos de Israel não me têm ouvido. Como então me ouvirá o Faraó?” Além disso, Moisés tinha consciência de suas limitações pessoais: “Eu não sei falar com facilidade!” (Ex 6,12). Como o Senhor não lhe respondesse, Moisés tentou convencer o Faraó da necessidade de deixar o povo hebreu partir em liberdade.

A maior autoridade egípcia não estava, porém, disposta a perder tão facilmente seus escravos. Então, o Senhor começou a manifestar seu poder. Sucederam-se as “pragas do Egito”: rãs, mosquitos, pestes nos animais, chuvas de pedra, gafanhotos etc. que se multiplicaram, sem, contudo, sensibilizar o coração do Faraó. A morte dos primogênitos, inclusive daquele que o sucederia no trono, venceu, no entanto, suas últimas resistências. Aconteceu, em seguida, o que havia sito predito: “Haverá então na terra do Egito grande clamor como nunca houve antes, nem haverá jamais” (Ex 11,6). Foi por essa ocasião que os hebreus celebraram, pela primeira vez, a ceia pascal. O sangue do cordeiro, colocado nas portas das casas, preservou seus primogênitos e tal celebração se tornou tradicional em seu calendário religioso.

Diante das desgraças que se multiplicaram, o Faraó quis ver-se livre desse povo que as causava. Por isso, não só permitiu sua saída, como a ordenou: “Ide! Saí do meio de meu povo!” (Ex 12,31). Então, finalmente, os filhos de Israel começaram sua caminhada, seu Êxodo, que seria uma experiência inesquecível em sua história, rica de belíssimas lições para nós.

Dom Murilo S. R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil