O dom pascal da paz

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

 

A paz parece ser o presente de páscoa mais desejado e necessário diante de tanta violência que acontece a cada dia, perto ou longe de nós. O anseio de paz tem se difundido sempre mais numa realidade marcada pela violência assustadora e preocupante noticiada diariamente. Não podemos achar normal que a violência passe a integrar o cenário de nossas ruas e casas, especialmente das periferias urbanas, como algo inevitável. O clamor pela paz brota especialmente das periferias sofridas das grandes cidades, de zonas marcadas pela violência e criminalidade. As vítimas da violência não podem ser reduzidas a números e estatísticas. São pessoas que tiveram sua dignidade violada e sua vida ceifada. Junto delas, há famílias dilaceradas pelo sofrimento, clamando por justiça e paz. Não podemos perder a capacidade de dizer “não” à violência, nas suas variadas formas e de promover a paz.

A palavra “páscoa” significa “passagem”. A páscoa cristã, celebrando anualmente a ressurreição de Jesus, significa passagem da morte para a vida. Quem celebra a páscoa, crê na vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, do perdão sobre a vingança, da paz sobre a violência. Esta passagem para uma nova vida é dom a ser acolhido na fé e tarefa a ser assumida no amor. A paz é um dom do Ressuscitado. Segundo o Evangelho, Jesus ressuscitado coloca-se no meio dos seus discípulos desejando-lhes a paz. Ao mesmo tempo, cabe aos que buscam e acolhem a paz, compartilhar o dom recebido e fazê-lo frutificar em iniciativas concretas.

A paz não é um presente a ser adquirido em lojas. Brota do coração e se espalha generosamente, transformando a realidade de violência e morte em novas relações humanas, baseadas na fraternidade, no respeito ao outro, na justiça e no perdão.   O ódio, a vingança e a justiça pelas próprias mãos não são respostas; ao contrário, agravam ainda mais a violência. Compartilhar a paz recebida, a começar das famílias e das redes sociais, é um belo presente de páscoa que nada custa para oferecer.

A construção da paz é tarefa coletiva. Não se celebra a páscoa isoladamente, mas em comunidade ou, ao menos, com familiares e amigos. Não se alcança a paz cada um por si. O esforço de cada um é sempre muito necessário, pois há muito a ser feito por cada um nos ambientes em que vive para superar a agressividade e o ódio. Contudo, a superação da violência, pela sua complexidade e caráter social, exige iniciativas de caráter comunitário e sociopolítico. Os poderes públicos desempenham papel fundamental para promover a segurança pública, o combate à impunidade e a justiça social.

Jamais desista da paz. Seja instrumento de reconciliação e de paz. O dom da paz do Ressuscitado seja o presente maior a ser acolhido e partilhado generosamente nesta Páscoa.

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 09 de abril de 2023.