No dia 2 de novembro a Igreja celebra, todos os anos, o Dia de Finados. Mas porque celebrar a morte ao invés da vida? A palavra morte por si só já desperta um medo no coração das pessoas. Ela é certa e inevitável. A única coisa que não se sabe é quando isso vai acontecer…
Pode-se morrer muitas vezes durante a vida: quando se deixa de acreditar em algo que era muito importante; quando se perde um ente querido; quando se sofre perdas e separações… A cada momento em que é necessário mudar de estágio e sair da zona de conforto para arriscar uma nova empreitada, nos deparamos com um determinado tipo de “morte”: é um pedaço de nós que fica para trás em surgimento de um novo desafio.
Mas a morte que mais nos assusta é de fato aquela onde há a separação do corpo e da alma. O bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador, Dom Gilson Andrade da Silva, define a morte como o fim da vida na terra e diz que se não fosse o pecado, não haveria morte. “Há uma realidade natural na morte: ela é o fim da vida terrena. O cristão, porém, sabe que a morte entrou no mundo por causa do pecado, pois o nosso Deus é o Deus da vida e não quer a morte do ser humano, mas que ele viva, como nos lembra a Escritura”, diz.
Para a vida eterna
Ao contrário do que se pensa sobre ser a morte terrena a perda de algo, para nós, cristãos, o dia mais importante de nossas vidas deveria ser o dia de nossa morte, já que a morte é o início da vida eterna. “Para o cristão o dia do verdadeiro nascimento é o dia em que nascemos para a eternidade, pois lá se encontra a vida sem fim e se realiza plenamente a felicidade que Deus tem preparada para seus filhos e filhas e que é o fim da existência humana”, explica o bispo.
Porém, acreditar na vida eterna não é motivo para que ela seja desejada antes do tempo. Existe tempo para tudo. Tempo de nascer, tempo de viver e tempo de morrer. “A morte traz consigo algo de desconhecido. Costuma-se dizer: ‘ninguém voltou para contar’. O desconhecido sempre provoca a curiosidade. Por outro lado, Deus nos criou para a vida, por isso diante da morte sempre teremos perguntas e buscaremos saber mais. A morte não é o fim, nela a vida não é tirada, mas transformada. Por outro lado, a morte também nos coloca diante da pergunta sobre como viver a vida e vivê-la com intensidade”, esclarece Dom Gilson.
Viver para mim é Cristo
Aproveitar cada instante da vida faz com que ela seja mais atrativa. Esperar um resultado de exame e descobrir que está tudo bem com o nosso corpo, receber a visita de alguém especial, ser promovido no trabalho, receber a notícia de que está grávida, tirar uma nota boa na prova, participar da celebração da Santa Missa e se encontrar com o Senhor… tudo isso nos remete a viver cada dia mais um pouquinho da vida terrena, enquanto esperamos a vida eterna.
A frase que proferimos na oração do credo “creio na vida eterna” fala sobre a crença do que está por vir, na certeza de que quando chegar a hora estaremos juntos ao lado do Pai.
Mas diante de tanta beleza da vida, porque no dia 2 de novembro costuma-se celebrar a morte? Dom Gilson explica que a data tem relação com o Dia de Todos os Santos (1º de novembro). “Podemos apresentar uma razão histórica que está relacionada com a festa de Todos os Santos. O costume do dia 2 remonta ao abade beneditino Santo Odilon de Cluny (século X) que estabeleceu que os sinos da abadia tocassem com toques fúnebres depois da Oração das Vésperas do dia 1º de novembro para celebrar os falecidos, e que no dia seguinte a Missa seria oferecida ‘pelo descanso de todos os defuntos’. Como se vê, está relacionada com a festa do dia anterior. A comunhão dos santos reúne os cristãos que já gozam da glória do céu e também aqueles que se purificam no purgatório”, diz.
Após a morte
No dia 25 de outubro deste ano, a Igreja Católica divulgou novas diretrizes para a sepultura dos mortos e a conservação das cinzas daqueles que são cremados, através das quais proíbe espalhá-las ou mantê-las em casa. De acordo as normas, ilustradas no Vaticano pelo cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, as cinzas devem ser mantidas em um cemitério ou em um local sagrado.
Sendo assim, “não está permitida a conservação das cinzas no lar nem a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água, ou sua conversão como lembranças”.
Há casos em que a cremação é necessária devido a alguma doença grave do falecido ou no caso de ele ter morrido fora de seu país e a família não ter condições de transportar imediatamente o corpo. Há também casos em que a pessoa desejava mesmo ser cremada. No entanto, a cremação não deve ter fins supersticiosos, nem de uma crença que não condiz com a fé católica.
Às vezes, alguns filmes apresentam cenas muito emocionantes, quando o ator espalha as cinzas da pessoa amada como se a presença dela fosse ficar por ali vagando. Essa não é a nossa fé. Como católicos cristãos, nossa fé é crê ressurreição. Quando se faz a opção pela cremação, seja por um pedido da pessoa ou por questão de saúde, tal atitude não deve negar a fé na ressurreição.
“Houve um tempo, de fato, em que se proibia ao cristão a cremação. Atualmente a Igreja permite que os cristãos possam escolher a cremação e a norma eclesiástica vigente em matéria de cremação de cadáveres é regulada pelo Código de Direito Canônico. No entanto, recomenda-se vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos. Para evitar qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista, não é permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda, a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos”, explica Dom Gilson.
O bispo ainda faz a ressalva de que a Igreja valoriza, sim, os restos mortais, exatamente porque há uma fé na ressurreição dos mortos. “A ressurreição é um dom de Deus, reservado para o último dia. Portanto, o cristão não pode dispor de seus restos mortais para uma espécie de rito diferente da fé cristã e que suponha a negação da fé na ressurreição da carne”, diz.
O que não podemos esquecer é de ver beleza em tudo o que foi criado por Deus. É comum chorar a perda de alguém, mas a certeza da ressurreição faz com que a dor se transforme em esperança. “O próprio Jesus chorou diante do túmulo de seu amigo Lázaro. Mas a fé nos ajuda a ter os olhos voltados para a vida eterna e a promessa de felicidade que Deus nos garante. Além da fé, os irmãos devem ser consolados pela companhia daqueles que partilham a mesma fé e acompanham-nos nesse momento singular de dor. Lembremo-nos, enfim, que quando se ama não se perde, mas se ganha de uma maneira nova, na fé”, conclui Dom Gilson.


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