Como se vissem o invisível

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil

 

Uma das passagens mais profundas da Bíblia é a do começo do Evangelho de S. João: “No princípio era a Palavra, e a Palavra era Deus. Ela existia, no princípio, junto de Deus. (…) E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,1-3.14). Quando Jesus, a Palavra do Pai, falava, todos ficavam admirados com seus ensinamentos, pois ele ensinava como alguém que tem autoridade. Ao terminar sua missão, reuniu seus discípulos e deu-lhes uma ordem: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). Depois de ter-se elevado aos céus, “recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai e o derramou” (At 2,33) sobre o mundo. Então, “os discípulos foram anunciar a Boa Nova por toda parte” (Mc 16,20). Começava a ser escrito o Atos dos Apóstolos; esse livro ainda não foi concluído, porque a ordem que lhe deu origem – “Ide pelo mundo!… – ainda não foi cumprida integralmente.

A Igreja atua no mundo a partir de uma convicção iluminada pela fé: Cristo é o único salvador de todos, o único capaz de nos revelar Deus e de nos conduzir a ele. Nele o Pai revelou-se de forma definitiva e deu-se a conhecer de modo pleno. Em Jesus Cristo, o Pai disse à humanidade quem é. A Igreja existe para revelar ao mundo essa verdade.

Para contatar as pessoas e apresentar-lhes sua proposta, Jesus procurou lugares altos e subiu em barcas, falou a multidões e entrou em casas, atendeu a pessoas importantes e deu atenção aos excluídos. Os apóstolos, por sua vez, foram a cidades desconhecidas, enfrentaram viagens perigosas e passaram fome. Ao longo da História, os evangelizadores escreveram livros, fundaram universidades e aprenderam línguas desconhecidas. Foi dessa maneira que a Boa Nova chegou até nós. Ao recebê-la, assumimos a missão e a responsabilidade de, por nossa vez, a levarmos a todos – e a levarmos com alegria! Como fazer isso?

Hoje, é muito difícil entrar na casa de desconhecidos para lhes apresentar o Evangelho. Precisamos, pois, ser criativos e, na comunidade em que estivermos inseridos, descobrir meios de fazê-lo. Importante é não nos esquecermos de que, em Jesus Cristo, a mensagem estava inteiramente unida ao mensageiro. Ele proclamou a Boa Nova tanto pelo que falou quanto pelo que fez. Nós, seus discípulos missionários, somos chamados a ler sua Palavra, a colocá-la em prática e, então, a ensiná-la. Afinal, os homens e as mulheres de hoje só aceitarão Jesus Cristo se nós mesmos o tivermos encontrado. O testemunho da vida cristã é a primeira e insubstituível forma de missão, conforme nos ensina Paulo VI: “O mundo reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar, como se eles vissem o invisível” (EN 76).