A Bíblia no meu dia-a-dia

Por padre Carlos André

Desde que comecei a estudar a Bíblia na faculdade de Teologia, a cada passo fui me dando conta do quanto era exigente o esforço para encontrar uma interpretação razoável para determinadas passagens bíblicas. Se alguém tem dúvida ou não sabe ao certo do que estou falando, lembro que no mundo que conhecemos não existem peixes que engolem pessoas e as lançam na praia três dias depois e nem os astros poderiam deixar de movimentar-se no céu pela força da palavra de um profeta, segundo certos relatos bíblicos.Por isso, a primeira pergunta que surge no coração do leitor interessado em crescer na fé é: Como fazer para entender o que diz a Bíblia de modo que ela possa me acompanhar no meu dia a dia?

Acredito que a primeira coisa é compreender que a Bíblia não é apenas UM livro, mas uma coleção de livros escritos em épocas diferentes a partir de situações diferentes para públicos diferentes. Por isso, não se pode ler a Bíblia da primeira à última páginade uma só vez, como se fosse um único livro. De fato, alguns livros são poéticos demais para serem entendidos e lidos como se fossem uma descrição de alguma realidade específica.Outros são histórias contadas em forma de romance que precisam ser entendidos como uma expressão literária de uma experiência vivida. Há ainda aqueles livros que são normas de vida dirigidas às circunstâncias bem concretas da vida do povo daquela época, por isso apenas conserva a validade geral dos seus princípios e não da sua aplicação caso a caso.Além disso, cada um dos livros da Bíblia tem um destino próprio, facilmente identificado pelo leitor que percebe quando se trata de uma história para ser contada, uma oração ou louvor, uma instrução aos mais jovens, uma regra de vida para a comunidade ou para cada um em particular. Apesar de parecer complicado, na verdade não é, basta que o ato de ler a Bíblia se torne um hábito para que se descubra de maneira prática a necessidade de adotar critérios diferentes de interpretação para cada livro bíblico.

Uma vez prevenidos a respeito da variedade de livros contidos na Bíblia, o segundo passo é decidir por onde começar. Se você nunca abriu a Bíblia na vida, talvez os salmos sejam uma porta de entrada, pois o diálogo com Deus através das palavras do salmista estimula a compreensão da Bíblia como caminho de encontro com Deus. Os salmos têm a forma de canto ou prece relativamente breves e muitas vezes são em primeira pessoa, permitindo um envolvimento pessoal de quem lê. Pode ser útil consultar a classificação dos salmos para as diversas circunstâncias, selecionando a leitura segundo o momento presente da sua vida. A partir disso, a leitura diária dos salmos se tornará a escola que vai nos ensinara buscar na Bíblia Aquele que está por trás das palavras. Por fim, uma vez que toda oração implica uma dose de silêncio sem o qual não pode haver verdadeira comunicação, rezar com os salmos nos prepara para o diálogo com a Palavra de Deus contida nas páginas da Bíblia. Por isso, ler e rezar com os salmos é a melhor maneira de tornar a Bíblia presente em nosso dia a dia,além de nos educar para estabelecer com ela uma relação de diálogo profundo, fugindo a toda tentação de curiosidade estéril.

Por fim, a assiduidade e humildade são condições para que a leitura da Bíblia seja capaz de fecundar nossa vida cotidiana, plantando sementes de paz. Nem sempre iremos compreender tudo, nem os estudiosos mais dedicados tem todas as respostas, somente a leitura paciente e orante é capaz de dotar de sentido as palavras que, como o bastão de Moisés que fez jorrar água da pedra, irão irrigar nosso deserto cotidiano.