A Teologia e a Política

Frei Jorge Rocha, ofmcap
Professor Universitário
Especialista em Espiritualidade Empresarial

Estamos vivendo momentos fortes no atual cenário político brasileiro. O cristão não pode passar alheio a toda essa efervescência que toma conta do Brasil. Não podemos fechar os olhos. Não se trata de partidarismos apaixonados e, muitas vezes, irreflexivos, mas de um olhar sereno à luz da ciência teológica que nos convida a abrir os olhos, pois “o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas” [tomadas pelos nossos representantes nas suas respectivas esferas municipal, estadual e federal].

E o autor ainda é mais contundente: “O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.

A partir deste pensamento de Eugen Berthold Friedrich Brecht (1898 – 1956), faz-se a constatação de que homem algum deveria eximir-se da política (com “P” maiúsculo). Ela – a política – faz parte do cotidiano seja pela via da participação, seja pela via da pseudo omissão. Não se pode ignorá-la, mesmo que se tenha alguma escusa que poderia justificar a distância. Não dá! Pois todo homem, como acentua Aristóteles, é um animal político, um cidadão. Isso porque o cidadão é aquele que participa ativamente da elaboração e execução das leis, sendo estas elaboradas pelo rei (monarquia), por poucos (oligarquia) ou por todos os cidadãos livres (democracia).

O que a Teologia tem a dizer sobre tudo isso? Há muitos registros nas Escrituras que demonstram o grau de envolvência do Povo de Deus com a autoridade constituída. Um texto paulino foi escolhido para justificar este ensaio de artigo: “Todo homem está sujeito às autoridades superiores; não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13, 1).

Dentro de uma perspectiva de que o mundo está sob a regência Divina, é lícito pensar assim. É igualmente lícito continuar a reflexão e afirmar contundentemente: todo poder vem de Deus, mas se for diakonia! Afinal, quem se coloca sob o prisma da Palavra de Deus, torna-se inevitavelmente um servidor: um restaurador de vidas, capaz de tecer novas relações, a partir da lógica de Jesus Cristo (cf. Jo 10,10). Pois, a Teologia, além de ser uma área do saber humano, um tipo de conhecimento, é a ciência que apresenta ao homem o sentido da sua vida.

Quando a Teologia, através da Igreja, fundamenta na Fé e na Razão o seu papel institucional na sociedade é porque ela se predispõe a ser um aporte de diálogo com as diversas instâncias existentes e, sobretudo, pretende ser patrocinadora de ações junto aos organismos que garantam, com segurança, a subsistência do cidadão e o respeito aos seus direitos inalienáveis, não violando, como norma inabalável, a sua dignidade humano-divina, e salvaguardando o caráter transcendente da pessoa humana (cf. GS 76).

O Papa Francisco lembra que a “relação entre Igreja e política deve ser ao mesmo tempo paralela e convergente. Paralela, porque cada um tem o seu caminho e as suas diversas tarefas. Convergente, apenas em ajudar o povo. Quando as relações convergem primeiro, sem o povo, ou não se importando com o povo, começa aquele conúbio com o poder político que acaba apodrecendo a Igreja: os negócios, os compromissos”. A política não é um balcão de negócios nem tampouco uma profissão, é uma forma de serviço ao Povo de Deus, e os que agem em contrário “são ladrões e assaltantes” ( Jo, 10, 1).

Deste modo, a Igreja se apresenta à sociedade como uma interpeladora da consciência social, dando critérios para ação humana à luz da força da Palavra Revelada, sendo uma sentinela moral e, com isso, exerce uma denúncia profética. Tudo isso faz com que se compreenda a política como um locus privilegiado para o exercício da fé, para a prática do diálogo, para a arte da colegialidade e para a vivência do poder em forma de polifonia, onde, na diversidade de vozes, componha uma melodiosa e harmoniosa sinfonia.

O ensinamento teológico, assim, instrui os cristãos a não serem analfabetos diante da política. O cristão precisa conhecer, por exemplo, a democracia representativa, mas precisa exercer a democracia participativa. Na segunda, a Igreja – e o cristão –  reflete, sugere, contribui e vota. Isso porque “devido à própria Economia da Salvação, devem os fiéis aprender a distinguir cuidadosamente entre os direitos e deveres que lhes competem como membros da Igreja e os que lhes dizem respeito enquanto fazem parte da sociedade humana. Procurem harmonizar entre si uns e outros, lembrando-se que se devem guiar em todas as coisas temporais pela consciência cristã, já que nenhuma atividade humana, nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao domínio de Deus” (LG 36).

Portanto, o princípio irrenunciável da Teologia, que se faz ouvir mediante a voz da Igreja, é que o homem é o sujeito e não o objeto da economia e da política. Sublinhar o protagonismo da pessoa humana e sua dignidade é, ao mesmo tempo, reconhecer que esta pessoa extrapola a esfera da biofísica, da psicologia, da política. A sua reflexão supera os limites da razão humana, aventura-se no âmbito do Espírito, do Transcendente e chega a Deus.