
Na noite de ontem (22), monsenhor Gaspar Sadoc retornou para a casa do Pai. Ao longo da sua vida, padre Sadoc se dedicou fielmente ao anúncio do Reino de Deus. Devoto de Nossa Senhora da Purificação, padroeira da cidade onde nasceu no ano de 1916 (Santo Amaro da Purificação), monsenhor Sadoc foi conhecido pelo dom da oratória. Ordenado em 1941, ele foi o primeiro vigário da paróquia Santos Cosme e Damião, na Liberdade, onde permaneceu por sete anos. Em seguida, passou a ajudar na construção da paróquia Cristo Rei e São Judas Tadeu, na Baixa de Quintas, onde ficou durante 17 anos. De lá foi transferido para a paróquia Nossa Senhora da Vitória.
Para relembrar a história de vida e a vocação deste sacerdote, a equipe da Pastoral da Comunicação selecionou uma entrevista realizada com o monsenhor e publicada no jornal São Salvador no ano de 2007. Confira!
Pastoral da Comunicação (Pascom) – Como o senhor recebeu o chamado para ser padre?
Monsenhor Gaspar Sadoc – Às vezes a gente percebe a vocação direto. Uns ouvindo vozes, outros procurando interpretar fatos. Outras vezes não, a vocação é um processo natural na vida da gente que Deus assume e transforma numa benção espiritual. Eu não tenho assim um fato que possa dizer que me induziu a ser padre. Mas, a maneira de eu entender as coisas quando eu tinha 11 anos e amaneira de me ensinarem as coisas me fizeram notar que alguma coisa havia muito importante para eu fazer, além de ser menino, andar brincando e estudando, alguma coisa a mais eu percebi que tinha pra fazer. Eu não sabia o que era. Com o tempo vi que era ser padre. Então entrei no seminário em 1929, com doze anos, fiquei até 1941, me ordenei, ali no lugar que hoje é o museu de Arte Sacra. Todo o meu curso foi feito lá. Seminário Maior e Menor. Me ordenei em 41 e há 65 anos estou aqui nesta capital vendo a capital ser capital tantas e tantas vezes diferente da que eu encontrei, e com alegria estou servindo há 65 anos como se começasse a servir agora.
Pascom – O que o senhor lembra de quando chegou aqui em Salvador, com 12 anos?
MGS – Quando eu cheguei aqui com 12 anos a coisa que me marcou foi a cidade cheia de edifícios grandes e o grande mar. Lá no interior, na minha terra, não tinha edifício com mais de dois andares, e o grande mar… E ao lado de tudo isso um povo que era um povo bom. Era uma vida tranqüila, um apelo para a fraternidade, uma religiosidade quase simples, mas verdadeira. Era uma vida que a gente vivia como se fosse uma família grande. Salvador era uma grande família, a gente não fechava a porta nem nada, não tinha dificuldade nenhuma. À noite saia para passear e não precisava de mais nada, um simples guarda noturno. A cidade era uma cidade cheia do Senhor do Bonfim, cheia de graça.
Pascom – Do ponto de vista da religiosidade, como o senhor percebeu este crescimento?
MGS – A cidade foi crescendo aos poucos, tomando rumo com o rumo do mundo e do país. Espiritualmente houve um maravilhoso processo. Religiosamente Salvador sempre esteve no destaque da história. O povo é muito fiel ao Senhor do Bonfim, a Deus. Quando eu falo Senhor do Bonfim eu falo do Pai que está no céu. O povo é muito fiel e a Igreja de Deus no seu governo, na sua hierarquia, também era uma Igreja que servia aos tempos. Havia os chefes espirituais, perfeitos retratos do seu tempo. Havia alguns de atitude hierática e de disciplina forte como o nosso cardeal Dom Augusto Álvaro da Silva, que marcou o tempo. Para aquela época ele foi a pessoa indicada. Depois veio Dom Eugênio de Araújo Sales, que Deus mandou para transformar esta Arquidiocese, passar de um ponto extremo para outro. Dom Eugênio esteve aqui por sete anos e foi um turbilhão espiritual. Ele transformou essa Arquidiocese toda do ponto de vista humano, espiritual e técnico. E a gente passou do Concílio Vaticano II através da capacidade de Dom Eugênio de governar, de ouvir, e a coragem de fazer. Eu trabalhei com ele todos os sete anos e uma das coisas que hoje me levam a ficar feliz lembrando o passado é que eu servir a Dom Eugênio Sales enquanto ele esteve nesta cidade com Arcebispo e Cardeal.
Pascom – A Igreja então cresceu junto?
MGS – Havia poucos padres quando Dom Eugênio chegou aqui. Poucos mesmos. Ele trouxe uns 30 padres pra cá. Padres maravilhosos. E foi mandando-os para a periferia. No Centro também multiplicou paróquias. A igreja ficou bem atenta aos sinais dos tempos. A Bahia cresceu, mas não pegou a Igreja de improviso não, a Igreja estava sempre preparada para todos os desafios. É claro que não podemos dizer que os sacerdotes são suficientes, não são. Se colocarmos duas vezes mais sacerdotes tem trabalho para todos, mas os que estão ai estão como soldados de fronteira, ficam sempre de pé aguardando o que vai acontecer.
Pascom – O senhor falou como sacerdote. E como é Gaspar Sadoc cidadão?
MGS – A minha distração maior é encontrar com os meus colegas. Não abro mão. Isso vale por um tratamento de saúde espiritual. Gosto muito de não dormir cedo, sempre a uma da madrugada. A partir das 20 horas começo a fazer coisas pra mim, durante o dia faço coisas para os outros. Então, depois das oito da noite leio carta, livro, faço revisão de textos. Gosto também de ver o meu povo. Gosto do povo.
Pascom – O senhor serviu em que paróquias?
MGS – Fui pároco de uma paróquia extremante pobre durante sete anos, lá na Liberdade, dos Santos Cosme e Damião. O bairro não tinha nada. Hoje é uma cidade. Naquela época não tinha calçamento, água. Adorei ser vigário de lá. Sai porque o bispo mandou ir para São Judas Tadeu. Ai já era um bairro classe média. Passei 18 anos. Ai o cardeal me chamou para a Vitória, chamada classe “A”. Trabalhei com todas as classes. Em todas elas encontrei o mesmo tipo de gente. Boa, ruím, que trabalha, preguiçosa. Tem gente que fala, padre Sadoc está em paróquia de rico. E rico não é pra ser evangelizado não? Não tem mal nenhum. É preconceito, estupidez intelectual. A gente tem que tratar todo mundo como gente. Eu nunca procuro saber sua carteira de identidade, eu trato todo mundo assim: eu sou, ele é, nos dois somos. Essa estada aqui na Vitória me fez abrir os olhos. Eu tive a oportunidade de trabalhar mais pelos outros lugares. Aqui como pastor a gente tem muito mais responsabilidade porque comumente quando o homem está muito comprometido com as coisas materiais fica muito difícil aprofundar Deus no coração, mas não é impossível. Não é que os ricos sejam piores, mas normalmente a presença de tudo faz a gente esquecer Deus, que é tudo. Mas em todos os lugares há gente boa e ruim. Gostei de passar por todos os lugares, faria tudo de novo.
Pascom – O senhor falou de sua paixão pela história. Que marcos de Salvador e da Igreja o senhor destacaria?
MGS – Quando a Bahia fez 400 anos. Otávio Mangabeira era o governador e Wanderlei Pinto era o prefeito. O desfile foi lindo. No plano espiritual, em 1933, o primeiro Congresso Eucarístico Nacional. Época de Dom Augusto Álvaro da Silva, foi aqui no campo de futebol da Graça. Vieram bispos de todos os lugares. Fora isso permanece festa. A Bahia é a Bahia e acabou.

CRONOLOGIA DO MONSENHOR GASPAR SADOC:
- Nascimento: 20 de março de 1916;
- 1929: ingressou Seminário Menor São José, em Salvador, aos 13 anos;
- 30 de novembro de 1941: Ordenação Presbiteral;
- 8 de dezembro de 1941: celebração da 1ª Missa em Santo Amaro da Purificação;
- Foi pároco nas paróquias Santos Cosme e Damião (Liberdade), Santuário São Judas Tadeu (Baixa de Quintas) e Nossa Senhora da Vitória (Vitória);
- Monsenhor Sadoc também atuou como professor de latim e história no Ginásio Dom Macedo Costa, na Escola Técnica (atual IFBA) e nos colégios da Polícia Militar e Sofia Costa. Além disso, foi mestre de diversos padres e bispos da Arquidiocese de Salvador.



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