Qualquer biografia é uma tentativa de mostrar, por escrito, o jeito, os atos e os pensamentos de uma pessoa, deixados transparecer durante sua vida. Se for a própria pessoa a escrevê-la, haverá, talvez até inconscientemente, a tentativa de somente revelar aspectos positivos da própria personalidade, deixando de lado o que poderia tornar a “foto” menos atraente (os jovens atuais chamariam esse trabalho de “photoshop intelectual”…). Se um escritor for contratado para escrever a tal biografia, certamente apenas escreverá o que for do agrado de quem o contratou. Já se for um inimigo a escrevê-la, nem precisaremos comprar o livro para imaginar o seu conteúdo…
Há, contudo, outra maneira de uma pessoa se dar a conhecer: escrevendo periodicamente. Ao apresentar seu modo de ver os outros, o mundo e Deus, ela exporá, em pouco tempo, suas ideias e ideais. Escrever, pois, é revelar-se.
Ocupo este espaço aos domingos, no jornal A TARDE, há mais de três anos. Em resposta à pergunta que fiz em meu primeiro artigo – “Posso entrar?” –, muitas portas e corações se abriram diante de mim. Assim, semanalmente tenho tido uma renovada motivação para continuar escrevendo, isto é, revelando-me. Sigo um Mestre e Senhor que, mais do que me recomendar, me obriga a anunciar a mensagem que recebi e que é para mim fonte de renovada alegria. O Evangelho, a “boa notícia” que recebi gratuitamente, direciona a minha vida. Esse presente, contudo, somente se torna meu quando e enquanto eu o repartir com os outros. O apóstolo Paulo foi um dos primeiros a descobrir isso, e expressou sua convicção de uma forma clara e objetiva: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!”
Nestes últimos meses, ouvi, aqui e ali, observações e perguntas que se tornaram um estímulo para eu reunir, em um livro, alguns dos artigos publicados aos domingos. Relendo os textos – pouco mais de 150 –, concluí que era hora de fazer isso. Surgiram, então, dois livros, que acabam de ser publicados: um deles, pela Edições CNBB (“Dai-lhes vós mesmos de comer!”); o segundo, pela Edições Paulinas (“Se eu tivesse uma câmera digital…”). Apresento-os aqui, já que não haverá Tarde ou Noite de Autógrafos. Antes que me perguntem: “Mas por que não?”, me antecipo, dizendo que tais tardes ou noites têm como objetivo dar uma oportunidade ao autor de comunicar a todos que escreveu um livro e que sua obra está disponível nas livrarias. Como tenho este espaço que me possibilita fazer isso, utilizo-me dele para tal anúncio.
“Dai-lhes vós mesmos de comer!” nasceu de algumas convicções: (1ª) O cristão é como o sal (“Vós sois o sal da terra” – Jesus Cristo). O sal pode não ser percebido na comida, mas sua presença a transforma. Assim deve ser a ação do cristão no mundo da política, da economia, das artes, da indústria, da universidade etc.: pode acontecer de ninguém notá-la, mas, por causa dela, o mundo é melhor, mais justo e fraterno. (2ª) Ao longo de sua história, a Igreja tem comprovado que a fé, longe de levar à alienação, gera compromissos e tem uma dimensão “católica”, isto é, universal. (3ª) Para viver a vocação cristã é preciso conhecê-la; para viver o Evangelho, é necessária uma profunda amizade com Jesus.
“Se eu tivesse uma câmera digital” parte de uma constatação: muitos acontecimentos em nossa vida têm uma beleza única, especial. Como seria bom se a gente pudesse “fotografá-los”, para perenizar determinados olhares, sorrisos e gestos. Mas, se pensarmos bem, concluiremos que foto alguma consegue captar a riqueza desses momentos. Eles são de um grande valor justamente porque são profundos, espontâneos e simples. O que não se pode esquecer é que, aos olhos do Pai, nada se perde. Cada momento é registrado, com todos os seus detalhes, no Livro da Vida.
(N.B.: Aos interessados em algum dos dois livros, antecipo que, em Salvador, eles podem ser encontrados na Livraria Paulinas, na Rua 7 de Setembro nº 680, e na Livraria da CNBB, na Av. Leovigildo Filgueiras, 270 – Garcia – Igreja das Doroteias).
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil



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