Recomeçaram os campeonatos estaduais de futebol. Isso nos faz lembrar que num passado não muito distante, dirigentes de futebol, crônica esportiva e torcedores se preocupavam com a violência dentro dos campos, entre os jogadores. Multiplicavam-se deprimentes espetáculos de uma falsa luta de boxe. Foram feitos consideráveis progressos nesse setor, para alegria geral do público que vai aos estádios para ver futebol; para quem gosta de apreciar a prática de violência, há filmes suficientes na televisão.
Nos últimos tempos, para surpresa geral, surgiu algo novo. Os desentendimentos, as brigas e os feridos estão, agora, nas arquibancadas ou em torno dos estádios. Jogo de futebol – na Bahia é exceção, graças a Deus! – é ocasião próxima de risco à integridade física do expectador. À violência verbal, que alguns procuram justificar como uma necessidade para aliviar o “stress” da vida moderna (?), junta-se uma outra, ainda mais lamentável: a física. Os instrumentos que alguns torcedores levam consigo ao ir para o estádio fazem nascer uma pergunta: eles estão mesmo pensando em esporte? Restos do homem primitivo, que pensávamos ter desaparecido completamente com o abandono das cavernas, parecem ressurgir aqui e ali. O futebol, que deveria ser uma festa para os olhos e fonte de alegria para o coração, fica de lado.
Psicólogos e comentaristas esportivos têm procurado explicações para tanta violência. Choca-os o fato de que ela não é exclusiva de nenhum país, de nenhum time ou de nenhuma cidade. Qual reação em cadeia, a violência espalha-se rapidamente por toda a parte e passa a ser considerada “normal”, até em lugares tidos como pacatos. Até que ponto irá a violência? Até quando persistirá?
Entre os valores que a violência destrói, chamo a atenção para um: a festa. O espírito festivo deveria estar presente em qualquer partida de futebol ou prática esportiva, já que é um aspecto essencial de nossa vida, um profundo anseio do coração humano. A revolução industrial e tecnológica deu origem não apenas a uma melhor qualidade de vida como também a uma gradual redução do tempo de trabalho. É verdade que nem todos participam, ainda, dessas conquistas, mas o processo é irreversível. Crescendo o tempo livre, crescem também as opções de lazer.
Precisamos reconhecer que a quantidade de diversão tem crescido; sua qualidade, nem sempre. Não basta termos alguns momentos de descontração e divertimento, sempre à espera de novas experiências. Fomos criados para fazer a uma profunda experiência da alegria. A verdadeira alegria renova o coração, faz crescer o espírito comunitário e gera renovadas expressões de solidariedade.
Voltemos ao futebol. À medida em que crescem, nos estádios, ou ao redor deles, as brigas entre as torcidas e torcedores, perde o futebol e perdemos todos nós. Será tão difícil assim compreendermos que não há jogo de futebol com um só clube? Que não há paixão clubística se todos estiverem torcendo pelo mesmo time? Que é essencial a existência de pessoas e grupos que agitem bandeiras diferentes e gritem outras palavras de ordem? O Maracanã não teria graça se só o Flamengo e o Madureira disputassem o campeonato carioca. A presença de bandeiras de outras cores é que torna o espetáculo bonito. Vale o mesmo para os jogos do Bahia, do Vitória ou – para prestar uma homenagem à Irmã Dulce – do Ipiranga.
Façamos do futebol uma festa, um encontro de irmãos, não de inimigos a serem destruídos. Os problemas que precisamos enfrentar dia a dia não são poucos nem pequenos. Por que aumentá-los? Momentos de descontração nos ajudam a enfrentar e a superar os desafios que se renovam em nossa vida.
Por fim, um lembrete: o torcedor que deixa a sua casa para ir a um estádio de futebol é um ser humano, como cada um de nós. Ele não pode ser visto como um inimigo só porque torce por um time diferente do nosso. Respeitá-lo é o primeiro passo para que, juntos, façamos da vida uma festa. Ora, uma festa é tanto mais bela quanto mais pessoas dela participarem.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
								
								
								
								
								

													
 por