19 de setembro de 2017
Leituras: Gn 9,8-18; Sl 102/103; 2Cor 5,17-21; Jo 19,25-27
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de Salvador da Bahia – Primaz do Brasil
A história da Revelação é uma história de aliança. Deus se revela a nós para estabelecer conosco laços, compromissos mútuos. Jesus é a aliança máxima de Deus. Ao enviar o Seu Filho ao mundo, o Pai deixa claro que não nos quer perder, não nos aceita perder; ao contrário, Ele quer nos ver participando de Sua vida divina, de Seu amor, de Sua alegria. Portanto, todas as coisas que acontecem no plano da salvação são expressões do desejo de Deus de nos unir mais e mais a Ele. São para fortalecer nossa aliança com Ele.
A história da Aliança é marcada, contudo, de nossa parte, por infidelidades; da parte de Deus, do renovado desejo de nos reconciliar com Ele. Paulo escreveu aos Coríntios: “Em Cristo, Deus nos reconciliou consigo”. Cabe-nos, agora, tomar consciência disso e fazer com que outros entendam esse projeto de reconciliação e amor de Deus, pois Ele nos confiou o ministério da reconciliação.
O ponto máximo da reconciliação foi a Cruz. Derramando seu sangue por nós, Jesus provou que os projetos de reconciliação de Deus eram verdadeiros. Ali, na escuridão da Cruz, nascia a luz da esperança.
Conta-nos S. João que “perto da Cruz de Jesus” estava Maria; estava “de pé” – portanto, em atitude de prontidão. Os evangelistas não se falam de lágrimas de Nossa Senhora. Falam, sim, do dom que Jesus nos fez de sua Mãe e do dom que fez à sua Mãe, dando-lhe cada um de nós como um filho, uma filha, para ficarmos sob sua responsabilidade.
Com isso, a participação de Maria na redenção não terminava ali. Tinha vivido até então em função e em unidade com Jesus. Sua missão passava a se estender sobre todo o mundo, sobre todo ser humano, de qualquer tempo ou lugar. Uma nova etapa da vida de Maria começou naquele momento.
No dia 19 de setembro de 1846 – portanto, há 171 anos -, a Mãe de Jesus manifestou seus sentimentos a dois adolescentes: Maximino e Melânia, a quem apareceu. O local da aparição foi La Salette, nos Alpes franceses, a 2.200 metros de altura. Aquela Senhora que brilhava transmitiu-lhes uma mensagem, que deveria ser divulgada ao mundo. Era uma mensagem de reconciliação. Lembrou-lhes a dor de Seu Filho por ver que muitos não aceitavam o Evangelho, e viviam como pagãos. Mas para aqueles adolescentes, o mais impressionante foi testemunhar que durante todo o tempo que durou a aparição, Nossa Senhora não parou de chorar.
As lágrimas de Maria foram uma demonstração de que ela não é indiferente à situação da humanidade. Afinal, tendo recebido no Calvário a missão de ser nossa Mãe, ela sofre por ver que seu Filho não é amado, que muitos rejeitam seu Filho e que, por isso, não poucos correm o risco de perder eternamente a sua alma.
Mas Maria pode chorar hoje? Jesus afirmou que haverá maior alegria no céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam fazer penitência (Lc 15,7). Se a alegria do céu pela conversão de alguém pode crescer, como não a tristeza quando alguém não vive segundo o Evangelho? A eternidade não é um estado de imobilidade ou de indiferença.
Mas, qual o significado das lágrimas de Nossa Senhora em La Salette? São lágrimas de tristeza por todos os que rejeitam o amor de Deus; pelas famílias desagregadas; pelos jovens desorientados; pela violência que fere e mata; pelo ódio…
São lágrimas de oração: ela reza pelos que se fecham aos apelos de Deus.
São lágrimas de esperança: ela espera que nossos corações se abram a Deus.
Nossa Senhora olha para o sofrimento do mundo e procura enxugar as lágrimas dos que sofrem.
Para mim, que celebro o meu aniversário quando a Igreja faz memória da aparição de La Salette, tudo isso é muito significativo. Ainda mais que a espiritualidade que brota da aparição de La Salette tem muito a ver com o carisma de minha Congregação – a Congregação dos Padres do S.C.J. – Para Pe. Dehon, La Salette era uma fonte inspiradora de sua espiritualidade.
La Salette me lembra que fui chamado a anunciar a todos a aliança que Deus quer estabelecer com cada coração e com toda a humanidade. Lembra-me,também, que o Senhor me confia o ministério da reconciliação. La Salette me faz olhar para o Calvário, para tomar consciência de que os amigos de Jesus estão de pé, a seu lado, unindo-se a seu sofrimento.
Porque estou longe de conseguir realizar esta missão é que coloco a minha vida nas mãos de Maria e conto com a oração de todos vocês. Que a graça de Deus supra aquilo que não tenho conseguido realizar e refaça o que não fiz bem.
Oficialmente, começo um tempo que eu chamo de “contagem regressiva”. A partir dos 75 anos, que espero comemorar, estarei nas mãos daquele que recebeu a missão de ser o Pastor Universal, o Papa, que me dirá até quando deverei ficar à frente desta Arquidiocese. Mas, olhando bem, não importa o tempo de nosso trabalho; o que importa é a intensidade de nosso amor, de nossa unidade com Cristo, de nossa fidelidade à aliança que Ele estabeleceu conosco.
Que Nossa Senhora de La Salette me faça compreender que suas lágrimas estão unidas a de seu Filho. Como não confiar em lágrimas assim, que têm um poder de reconciliação inimaginável?
Nossa Senhora de La Salette, rogai por nós!