Lições esquecidas

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

Na fase mais grave da pandemia, com internações e mortes sendo noticiadas a cada dia, fomos aprendendo lições valiosas de sobrevivência, de cuidado e preservação da saúde. Os números de vítimas da covid-19 e as imagens veiculadas nos meios de comunicação comoviam e causavam perplexidade e medo. Com o passar do tempo, a fase mais crítica da pandemia foi superada, com a difusão das vacinas e as medidas de saúde pública, permitindo a flexibilização das normas sanitárias e o retorno a uma pretensa “normalidade” da vida cotidiana. Contudo, é preocupante o rápido esquecimento das lições duramente aprendidas na pandemia.

Muitos nem sequer concluíram o ciclo vacinal, tomando as doses recomendadas. Além disso, outras vacinas, como a da gripe, são negligenciadas. O uso de máscaras tem sido totalmente abolido até mesmo por pessoas gripadas; é comum tossir sem proteção, como nos meios de transporte; deixam de ser observadas normas básicas de higiene fundamentais para a preservação da saúde, como lavar as mãos ou usar álcool em gel. Infelizmente, a medicina preventiva não tem feito parte da cultura dos brasileiros, por razões diversas, dentre as quais a grave dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Está sendo esquecida a lição da responsabilidade compartilhada no cuidado da vida e da saúde. À medida que o vírus se difundiu atingindo a todos, especialmente os mais vulneráveis, a pandemia nos levou a reavivar a consciência de sermos uma família sem fronteiras que habita uma mesma casa. O que fazemos pode ajudar ou prejudicar o outro, pode preservar ou afetar a saúde e a vida do próximo. A falta de responsabilidade de alguns na prevenção de doenças contagiosas acaba prejudicando, sobretudo, as pessoas idosas ou fragilizadas por comorbidades. As medidas sanitárias observadas na etapa mais dura da pandemia nos levaram a olhar para o outro e a sentir-nos mais responsáveis pelo próximo.

Entretanto, o cuidado da saúde é necessário não somente para evitar enfermidades contagiosas; deve ser permanente, em vista da qualidade de vida, para o bem próprio e dos outros. O retorno à “normalidade” não pode implicar no esquecimento das lições aprendidas. O aprendizado continua no campo científico, nas relações humanas e sociais, desafiando-nos à uma nova vida. Somos sobreviventes de uma tragédia mundial, com a oportunidade de recomeçar a vida, com maior responsabilidade no cuidado de si e do outro, preservando a vida e a saúde. Nesta tarefa, o cultivo da espiritualidade é fundamental.  É preciso orar e meditar fazendo a experiência do amor de Deus e do amor ao próximo sofredor. A pandemia nos ofereceu uma ocasião privilegiada para aprender a conjugar mais os verbos orar, amar e servir.

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 10 de setembro de 2023.