Por Ir. Tomás de Aquino Santos Nonato, Obl OSB.
Jesus estava subindo para Jerusalém. No início do longo caminho narrado por Lucas que culmina na Páscoa, o evangelista situa o encontro de Jesus com um doutor da Lei que pergunta ao Senhor o que ele deve fazer para herdar a vida eterna (Lc 10,25). É neste contexto que o Senhor nos propõe a parábola do Bom Samaritano da qual a Igreja no Brasil retira o lema da Campanha da Fraternidade 2020: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34).
O percurso da Quaresma deste ano é iluminado pela figura do Bom Samaritano em uma dupla manifestação: a perícope lucana do Bom Samaritano e a pessoa e a vida de Santa Dulce dos Pobres, o Anjo Bom da Bahia. Somos convidados a repensar o modo como vivemos nosso compromisso com a vida que é dom de Deus. Ao nos propor Santa Dulce dos Pobres no Texto-base e no material imagético da campanha, a Igreja nos quer recordar que a Palavra de Deus é viva e eficaz, transforma nossas vidas, conforma-nos a si.
Santa Dulce dos Pobres é o Bom Samaritano e o Bom Samaritano é Santa Dulce. O acolhimento do Evangelho supõe uma transformação profunda de nosso coração, um deixar-se moldar pela força transformadora da Palavra Revelada. No limite, o cristão que faz a experiência genuína do seguimento do Senhor encarna em si o Evangelho, cristifica-se. Santa Dulce soube assumir em si “o mesmo sentimento de Jesus Cristo” (Fl 2,5), soube ser Cristo para os irmãos, vendo em cada sofredor que lhe cruzava o caminho, como o “homem que descia de Jerusalém a Jericó” (Lc 10,30) na parábola lucana, o rosto de Deus no rosto do irmão: ao longo de sua vida, Santa Dulce “viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34).
Esse compromisso de vida de Santa Dulce atualiza o Evangelho, mostra-nos que o homem e a mulher que acolhe a Palavra de Deus verdadeiramente porta Cristo para os irmãos em sua carne. O desafio do Evangelho não é, portanto, uma palavra distante no tempo e no espaço, expressão de um ideal belo, mas longínquo e inatingível. Ao contrário, lembra-nos de que pelas ruas por onde andamos, na cultura em que vivemos, na cidade em que habitamos andou Cristo através da pessoa e da vida de Santa Dulce e continua a andar Cristo através da pessoa e da vida de cada cristão que assume com seriedade o convite de Jesus: “convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Aos nos propor a Campanha “Fraternidade e Vida: dom e compromisso” nesta Quaresma, caminho para a Páscoa, nossos Bispos querem nos retirar do perigoso comodismo morno que embaça nossa percepção das exigências concretas do Evangelho. A meditação do texto lucano nos recordará a gravidade das exigências de Jesus para os que o seguem e a centralidade que o engajamento prático na caridade fraterna tem no projeto de Deus para a salvação de nossas almas, ao tempo em que o exemplo de encarnação da Palavra na vida de Santa Dulce dos Pobres nos mostra a atualidade da Palavra de Deus que pode ser vivida hoje e aqui com toda a radicalidade e coerência.
No texto da parábola lucana, cada um de nós pode se encontrar nos vários personagens da parábola: no homem atacado pelos malfeitores, nos assaltantes que atentam contra a sacralidade da vida, no sacerdote e no levita que não se compadecem do irmão, no hospedeiro que coopera nos cuidados por mero ofício profissional e no samaritano que se compadece do irmão. Não raro, experimentamos o papel desses vários personagens ao longo da vida. Essas experiências precisam ser purificadas na oração para nos ajudar a converter o nosso coração e iluminar com a luz da fé todas nossas experiências vivenciais.
Enquanto fazemos o percurso quaresmal em direção à Santa Páscoa da Ressurreição do Senhor, é muito salutar tomarmos a peito o compromisso com a vida do irmão que a Campanha da Fraternidade nos propõe, à luz da meditação da parábola do Bom Samaritano e do exemplo concreto de “boa samaritana” de Santa Dulce dos Pobres, na medida em que o que está em jogo não é uma filantropia bem intencionada, meritória embora, mas as exigências da salvação eterna. O contexto em que São Lucas coloca a parábola do Bom Samaritano, depois da pergunta do doutor da Lei sobre o que fazer para herdar a vida eterna (Lc 10,25), recorda-nos que o reino dos céus não se abre àqueles cujo coração não se abre aos irmãos. Caminhando para grande festa de nossa salvação, abramos o nosso coração aos irmãos e assumamos nosso compromisso em ser Cristo para os irmãos. Que Santa Dulce interceda junto a Deus por nós, para que sejamos conformados ao Cristo, o Bom Samaritano de nossas almas.



por