Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
“Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para tudo o que acontece debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher a planta”. As observações do livro do Eclesiastes foram lembradas por ocasião das exéquias de Mons. Gaspar Sadoc da Natividade, falecido no dia 22 de setembro de 2016, com 100 anos de idade e 75 de sacerdócio. Mons. Sadoc teve um longo tempo para plantar – e como plantou! Teve um longo tempo para viver seu sacerdócio de forma ativa. No entanto, creio que o período mais fecundo de sua vida foi aquele em que viveu praticamente imóvel, recluso em um pequeno quarto. É importante recordar alguns dos valores que ele viveu e a forma como desempenhou a sua missão, para termos a convicção de que ele fez a sua parte e nos deixou uma bela herança. Cabe-nos, agora, colher os frutos do que ele plantou e nós também, seguindo o seu exemplo, semearmos amor, fraternidade e paz.
Mons. Sadoc trazia o povo no seu coração. Por isso, ele também entrou no coração do povo, que o amava intensamente. Quem não o conhecia? Quem dos seus ouvintes não terá sido beneficiado com suas pregações? Quem não terá sido animado por suas palavras de conforto?
Mons. Sadoc não procurou ser diferente. Mas ele foi diferente no seu modo de trabalhar, na forma de se relacionar e de servir ao seu povo. De origem humilde, nascido na cidade histórica de Santo Amaro da Purificação, sempre conservou a simplicidade e a humildade como características pessoais, seja quando tinha que se relacionar com autoridades importantes, seja quando se dirigia às pessoas mais simples.
Mons. Sadoc falou muito. Exerceu com intensidade o seu dom da palavra, que atraía multidões, que acorriam para ouvir suas homilias e seus discursos. Ele brincava com as palavras, construindo imagens belíssimas e inesquecíveis. Contudo, suas palavras mais importantes foram as pronunciadas durante os últimos seis anos, enquanto estava no seu leito, e recebia a todos que o visitavam com um sorriso acolhedor e com bom humor. Ele transformou seu leito em altar e ali oferecia a Deus sua missa contínua.
Mons. Sadoc amou muito seus irmãos sacerdotes. Por ocasião da última visita que lhe fiz, ao me despedir dele – sem imaginar que, três horas depois, receberia a notícia de sua morte –, eu lhe pedi: “Mons. Sadoc, ofereça seu sacrifício e orações pelos padres, que sempre foram seus amigos”. Percebi meu erro, e logo corrigi: “… que são seus amigos”. Ele sorriu silencioso.
Um dia, ele testemunhou: “Aos 13 anos, deixei Santo Amaro, onde tive todo o direito de viver e sonhar, vivendo o sonho de ser feliz. (…) No seminário fui encontrando novas maneiras de sonhar e acordar para viver. (…) A certa altura, Jesus acenou sorrindo e eu, também sorrindo, o segui. Penetrei no mundo muito sozinho, mas sem medo. Ouvi as palavras do Cristo: Amigo sacerdote, ‘não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi, para que vades e produzais frutos e vosso fruto permaneça.’”
É dele, também, o seguinte depoimento: “Aprendi diretamente a ciência da dor recolhendo lágrimas, a ciência da vida partilhando esperanças, o segredo de quase tudo, no amor para com todos.”
Agradeço a Deus o privilégio de ter conhecido este sacerdote. Sou grato também por seus longos anos de atividades pastorais em Salvador, por seu testemunho e por suas sábias palavras. Deus o recompense! Quem o conheceu testemunha a verdade de seu depoimento: “Nunca me permiti acomodações ou indiferentismo. Na vanguarda da luta, maior é o perigo de sermos atingidos por ferimentos. Pouco importam os ferimentos, os estilhaços ou as cicatrizes; o que importa é lutar. E o fiz!”
Descanse em paz, Mons. Sadoc! O senhor amou este povo; este povo o amou.

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