Os encantos e alertas da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016

Por Amanda Santos (assessora da Cáritas Regional Nordeste 3)

 

“A cidadania é a minha arma mais poderosa para fazer saneamento, ensinar a fazer saneamento e formar quadros para o saneamento; com isso, é possível fazer com que este país seja melhor para se viver; os meus encantos com o saneamento são os encantos da transformação da sociedade” (Rodolfo Costa e Silva)

Meses atrás, no término de um curso, ouvi a frase citada acima, que soou como um poema para meus ouvidos. Talvez não fosse necessário dizer mais nada ao relacioná-la com o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016.

Vivenciar cada Campanha da Fraternidade nos faz compreender a essência transformadora da nossa Igreja, que nos impele sempre a uma conversão pessoal, pastoral e comunitária, sugerindo temas reflexivos no período quaresmal. Sanear, no sentido mais verdadeiro e completo, é a expressão dessa responsabilidade individual e coletiva que permitirá um ambiente saudável para as mais diversas relações humanas.

Nesse período de quaresma, em que os cristãos se dispõem a jejuar em memória aos 40 dias que Jesus jejuou no deserto, devemos refletir sobre as pessoas obrigadas a jejuar durante toda a vida, sem direito a um ambiente salubre e que são, muitas vezes, descartadas pelo atual modelo de “falso desenvolvimento”. Um exemplo recente é a sofrida realidade das mães dos recém-nascidos com microcefalia (associada ao Zika Vírus). A maioria dessas mães, conforme publicado recentemente pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva, reside em áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, onde o “provimento de água de forma irregular ou intermitente leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes Aegypti”.

Considerando que o jejum é a preparação para a ressurreição, onde a morte é vencida pela vida, somos convidados a nos preparar assumindo a Terra como nossa Casa Comum e de nossa responsabilidade. Mas isso exige quebrar paradigmas, buscar a raiz dos problemas, resgatar valores, desconstruir preconceitos e exercitar constantemente a cidadania. Estas são também as exigências para fazer saneamento, compreendendo-o na sua complexidade. Mas o que é mesmo saneamento? Muitas são as concepções e construções históricas de conceitos acerca da palavra. Retomando sua etimologia, origina de sanu (latim), que significa sanar, curar, tornar saudável. Assim, podemos entender a essencialidade deste termo para promoção da saúde em nossa Casa Comum.

As ações de saneamento existem desde os primórdios da humanidade, mas a cada época, de acordo com as relações sociais estabelecidas, foram sendo tratadas por diferentes abordagens. Como relatado pela professora Patrícia Borja, despertou maiores preocupações com a reorganização das cidades a partir da Revolução Industrial, no século XIX, e ao longo do tempo, além das questões de ordem sanitária passou a incorporar questões ambientais, diferenciando-se em termos de saneamento, saneamento básico e saneamento ambiental.

O saneamento básico, segundo o professor Luiz Roberto Moraes, é o conjunto de ações, entendidas fundamentalmente como de saúde pública, compreendendo o abastecimento de água em quantidade suficiente para assegurar a higiene adequada e o conforto, com qualidade compatível com os padrões de potabilidade; coleta, tratamento e disposição adequada dos esgotos e dos resíduos sólidos; drenagem urbana de águas pluviais e controle ambiental de roedores, insetos, helmintos e outros vetores e reservatórios de doenças.

A própria definição explica o porquê de queremos ver esse direito brotar como fonte. E a necessidade da justiça correr qual riacho que não seca está no desejo de superação das desigualdades existentes no acesso a esse direito, onde pessoas pobres vivem em ambientes insalubres, sem acesso à água potável e com mínima ou quase nenhuma possibilidade de ter uma vida saudável. Superar tais desigualdades exige-nos conhecer os instrumentos de reivindicação, mas antes disso, entender que o saneamento básico é um direito fundamental e, por isso, deve ser promovido fora da lógica mercantilista que promove o descarte, tão criticada por Papa Francisco.

Em sua encíclica Laudato Si’, o Papa nos convida a conceber a Terra “ora como uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora como uma mãe, que nos acolhe nos seus braços”. Fazer saneamento numa perspectiva cidadã é uma das maneiras para a vivência cuidadosa dessa condição de irmã(ão) e filha(o). Mas essa postura só é possível com a transformação das relações estabelecidas em nossa Casa. Portanto, os encantos com o saneamento e com a Campanha da Fraternidade Ecumênica estão na transformação da sociedade.

Alerta: A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) determinava a extinção dos lixões e substituição por aterros sanitários até 2014, mas muitos municípios brasileiros não cumpriram essa determinação. O Senado aprovou, em julho de 2015, a prorrogação escalonada desse prazo para as cidades adequarem a gestão que fazem do lixo às regras da PNRS.

Foto (superior) de Allan Lustosa. Legenda: Lixão localizado em Barreiras/Bahia.