Pe. Luís Lintner, um mártir em nossa Arquidiocese

Por padre Jonathan de Jesus
Pároco da Paróquia São Francisco de Assis (Saramandaia)

Seguramente posso afirmar que vivemos em meio a uma geração de santos, e estes estão entre nós, convivem conosco, fazem parte da nossa história.

Há muito gostaria de escrever sobre um deles: o Pe. Luís Lintner, missionário Fidei Donum em nossa Igreja Particular de Salvador. Um padre Fidei Donum é um sacerdote diocesano enviado temporariamente em missão para outra diocese, geralmente em países com menos recursos ou em regiões missionárias.

Luís Lintner nasceu em Aldino, no dia 25 de maio de 1940, uma cidade localizada na região do Trentino-Alto Ádige, no norte da Itália, pertencente à província de Bolzano. Nos Alpes italianos, onde a terra parece tocar o céu, o silêncio convida à contemplação mais profunda da vida; os bosques verdes e o ar fresco recordam o paraíso.

Ali, em meio à natureza silente e contemplativa, o Senhor chamou muitos jovens à consagração. O museu da cidade se orgulha de suas inúmeras vocações. Há uma inscrição que diz:

“Muitos padres e muitas freiras. De nenhuma outra cidade do Sul-Tirol provêm tantos sacerdotes e religiosas como de Aldino. Da segunda metade do século XIX foram 48. Em 1957, foram ordenados, contemporaneamente, nada menos que três sacerdotes.”

Foi nesta montanha vocacional que o jovem Luís se juntou à fileira dos chamados e ingressou no seminário. Em seu itinerário formativo, estudou em Trento (1960–1963) e, depois, no seminário de Brixen (1964–1966).

Foi ordenado sacerdote em 29 de junho de 1966, na Catedral de Brixen, e ofereceu suas primícias sacerdotais na igreja paroquial onde fora batizado.

Logo após a ordenação, atuou por cinco anos como colaborador pastoral nas paróquias de Nals, Tiers, Terlan e Naturns. Em 1971, foi a Munique para se especializar em teologia catequética e homilética. Ao retornar, em 1973, trabalhou como capelão juvenil e na formação de adultos na Casa de Educação Diocesana Lichtenburg, em Nals, até 1979.

Foi em 1980 que, após 14 anos de ministério sacerdotal, Pe. Luís sentiu um chamado missionário. Como Abraão, ouviu a Palavra do Senhor que dizia: “Sai da tua terra e vai”. Sendo fiel à vocação cristã e ao mandato de Jesus: “Ide e anunciai”, respondeu com coragem.

E a terra para onde o Senhor o enviou foi Tabocas do Brejo Velho, solo sertanejo, na divisa da Bahia com Goiás. Dos ares frescos das montanhas do Tirol ao chão vermelho e ao sol quente do oeste baiano, viveu uma ruptura radical, marcada pelo amor e pela caridade pastoral, uma opção pelos pobres dos pobres.

Quando Pe. Luís chegou, a Diocese de Barreiras era recém-criada, assim como a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Tabocas, da qual se tornou o primeiro pároco.

Sua presença foi uma inserção profunda na vida do povo. Muito antes de ouvirmos a expressão do Papa Francisco, “pastor com cheiro de ovelha”, Pe. Luís já vivia isso. Seu testemunho era de um pastor encarnado, atento, sensível, e também firme contra os “lobos” que vinham explorar as ovelhas.

Pe. Luís foi um defensor da sua gente, combatendo a exploração dos pequenos pelos grandes. Sua ação pastoral era mística, profética, encarnada e libertadora.

Após 11 anos em Tabocas, os ventos do Espírito sopraram mais uma vez, conduzindo o missionário para águas mais profundas: agora na Arquidiocese de São Salvador da Bahia. Tornou-se o segundo pároco da Paróquia Santíssima Virgem Maria de Nazaré, no recém-formado bairro de Cajazeiras V.

Ali, encontrou uma realidade social marcada pela ausência de serviços básicos: transporte público precário, escassez de escolas, postos de saúde, bancos, correios e áreas de lazer. Um crescimento urbano desordenado criava o fenômeno da favelização.

Pe. Luís, com seu olhar sensível, compreendeu que a fé não poderia se limitar às paredes do templo: ela precisava tocar a vida real do povo. Pastor zeloso e atento, soube unir apostolado com defesa da vida.

Muitos se lembram de suas visitas, vestindo-se como o povo, vivendo a simplicidade e a austeridade evangélica. Antes mesmo que se falasse de setorização, círculos bíblicos ou protagonismo leigo de forma oficial, ele já os vivia. Formou leigos, fortaleceu lideranças, fez crescer uma comunidade em torno da Palavra de Deus, com liturgias preparadas de forma participativa.

Em meio aos desafios, fundou a Casa do Sol, um centro de assistência social que, até hoje, oferece acolhimento e formação para crianças e adolescentes. De creche a oficinas juvenis, promove uma proposta pedagógica libertadora, preparando novas gerações para um mundo mais justo.

No dia da primeira missa de seu sobrinho, Pe. Martin Lintner, na igreja de Aldino, Pe. Luís disse:

“Se queremos verdadeiramente falar de Cristo crucificado, não devemos ter medo de ir lá onde Cristo é crucificado hoje. Devemos libertar os crucificados de hoje das suas cruzes, com o risco de acabarmos nós mesmos crucificados.”

Foi uma profecia. Seu trabalho em favor da justiça, da paz e da dignidade humana lhe custou a vida.

Na manhã do dia 16 de maio de 2002, após a oração comunitária na paróquia, foi assassinado com um tiro à queima-roupa, na porta de sua casa.

Lembro-me, com emoção, daquele dia. A dor e o terror tomaram conta da paróquia e da cidade. “Quem seria capaz de tirar a vida de um homem tão bom como Pe. Luís?” era a pergunta que nos doía.

Seu sangue derramado não foi em vão. Ao lado de seu caixão, um cartaz dizia: “A vida de quem tombou é força viva de paz.”

Sua vida ofertada é adubo, semente de justiça e compromisso evangélico. Os maus tentam calar os bons, mas não podem deter a revolução do espírito.

Seu corpo repousa ao lado da igreja paroquial de Aldino, mas sua mensagem ressoa pelo mundo.

Após 23 anos de sua morte, Pe. Luís continua vivo,e precisa continuar.

Escrevo este artigo de sua terra natal, contemplando as mesmas montanhas, após visitar sua casa e conviver com os seus. Desejo que as novas gerações saibam que existiu um homem que, como Jesus, deu a vida por elas.

No dia de sua morte, nasceu em mim um rebento de vocação. Eu disse: “Também eu quero dar minha vida assim!”. Aos 12 anos, soube que havia sido por mim.

Cajazeiras tem um santo mártir, que regou nosso chão com seu sangue, sangue de luta, de fé, de entrega. Um padre que evangelizou com a vida, transformando o mundo com a força do Evangelho.

Salvador tem mais um santo, e precisa reconhecê-lo.

Em 2003, seu nome foi incluído no Diretório das Testemunhas da Fé da Agenzia Fides, da Congregação para a Evangelização dos Povos, no Vaticano, como missionário martirizado. E, em 2024, foi inscrito no Martirológio Alemão.

Quem sabe, junto à Santa Dulce, Beata Lindalva, Madre Vitória da encarnação, engrossará as fileiras da santidade da Igreja Primacial do Brasil.

Cabe agora a nós, Igreja de Salvador, não deixarmos que seu testemunho se apague. A santidade é real, é próxima, tem rosto, tem nome. E o nome de Pe. Luís ecoa entre as palafitas e becos de Cajazeiras, nos campos de Tabocas e nas montanhas de Aldino.

Que seu sangue, unido ao de Cristo, fecunde novas vocações missionárias, desperte novos compromissos com os pobres e que o passamos ver como mártir da fé e da justiça.

Seus gestos e sua entrega continuam a falar. É tempo de escutar. É tempo de lembrar. É tempo de agir. Pe. Luís Lintner, interceda por nós.

Pe. Jonathan de Jesus – Aldino, 05 de agosto de 2025.