Precisamos de profetas

Yvette Amaral

            O escritor Marcelo Barros conta que Dom Hélder já moribundo, fez este apelo: “Não deixe cair a profecia”. Ele que, sem dúvida, foi um dos maiores, talvez o maior profeta da Igreja no Brasil do século XX, manifestou como derradeira preocupação a ausência de profetas num mundo sacudido por tantos sismos sociais. Certamente com mais ênfase, ele repetiria hoje esse conselho, se vivo fosse. De 1999 para cá, ano da sua morte, muitos males se agravaram e novos surgiram, exigindo da Igreja uma tomada de posição, uma mobilização para o profetismo, carisma de todos os batizados. No mundo atual ocorre a situação lembrada no Sl 74, 9: “Já não vemos mais sinais, já não existem profetas, e ninguém de nós sabe até quando.”

Onde estão os profetas que não gritam contra esta civilização absurda que cresce sem evoluir e anestesia os homens sem diminuir as dores? Será que os apelos do Maligno são mais eficazes que as propostas do Evangelho? Isto não acontecerá, porque Jesus prometeu: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A verdade é que os profetas estão silenciosos, embora ainda exista quem clame contra o joio que sufoca as sementes da verdade.

Durante o período pascal, a Igreja nos serviu como leitura das celebrações eucarísticas, o livro dos Atos. Escutando suas narrativas, observamos como o profetismo foi usado pelos primeiros cristãos. Estes eram poucos, inicialmente 12, mas se multiplicaram em quantidade e autenticidade, porque não lhes faltou a consciência da sua missão querigmática. Quando perceberam as contradições entre as ocorrências do mundo e as exigências da fé, eles condenaram os erros e anunciaram a ressurreição. Não se calaram, mas denunciaram. Não temeram pelo que lhes poderia acontecer. Apesar da posição apagada da mulher naquela época, Atos 21,9 afirma: “Filipe tinha quatro filhas solteiras que profetizavam”. Se os profetas do Antigo Testamento procuraram preparar os homens para o advento de Jesus, os do Novo Testamento anunciam o Cristo ressuscitado.

Entretanto é válido sublinharmos que o profeta não usa só palavras para corrigir o seu tempo e transformar a sociedade. Mais poderosa que a pregação, é o testemunho de vida. Nunca é demais repetirmos: “As palavras voam, os escritos permanecem, mas os exemplos arrastam”. O pronunciamento que não for acompanhado de uma atitude coerente, cairá no esquecimento e não será capaz de salgar a terra e fermentar a massa.

Ao profetismo se opõe a omissão, o grande pecado dos cristãos hoje. Por covardia, comodismo ou falta de esperança, eles fogem e se encolhem no silêncio e na permissividade, indiferentes a situações que caminham na contramão do Cristianismo. Se queremos transformar o mundo com a nossa fé, não sejamos carpideiras, chorando defuntos. Sejamos profetas que, apesar de tudo, acreditam na Igreja, em si e no irmão. O Apocalipse (14, 15) lembra: “Você não é nem frio nem quente… Porque é morno, nem frio nem quente, vomitarei você de minha boca”.

Artigo publicado no jornal São Salvador em julho de 2012.