Confira o Evangelho deste domingo (3 de novembro) – Solenidade de Todos os Santos – e a homilia preparada pelo pároco da Paróquia São João Evangelista, em Vilas do Atlântico, e assistente eclesiástico do Serviço Arquidiocesano de Animação Bíblico-Catequética, padre José Carlos Ferreira:
Evangelho (Mt 5,1-12a)
— Aleluia, Aleluia, Aleluia.
— Vinde a mim, todos vós que estais cansados e penais a carregar pesado fardo, e descanso eu vos darei, diz o Senhor.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, 1 vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
Reflexão
SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
Na Solenidade de Todos os Santos, a Igreja volta seu olhar e coração para o céu, enchendo-se de alegria ao contemplar uma imensa multidão de santos e santas que participam da glória e da plenitude do Deus Vivo. Esta solenidade reúne inúmeros rostos que trazem em si a “imagem e a semelhança de Deus” (Gn 1,26), o rosto de uma humanidade transfigurada. A respeito disso, Santo Agostinho nos diz que esses santos vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
A Igreja, nossa Mãe, nos convida a elevar o pensamento, inclinar o coração e dirigir a nossa oração para essa imensa multidão de homens e mulheres que, apaixonados, seguiram a Cristo como discípulos e discipulas neste mundo e agora se encontram com Ele no Céu. Cheios de alegria, intercedem por nós, como nos mostra a Carta aos Hebreus: “Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto” (Hb 12, 1).
É essa grande multidão que ninguém poderia contar, composta de todas as nações, tribos, povos e línguas, como nos recorda a primeira Leitura dessa solenidade. Todos estão marcados na fronte e revestidos de vestes brancas, lavadas no sangue do Cordeiro. A marca e as vestes são símbolo do Batismo, que imprime na pessoa, para sempre, o caráter da pertença a Cristo e a graça, renovada e aumentada pelos sacramentos e pelas boas obras.
O centro da Liturgia de Todos os Santos converge, sobretudo, para a reflexão sobre a Comunhão dos Santos, ou seja, a comunhão de destino para a salvação de todos que aceitaram se esforçar em trilhar caminhos de santidade, tendo como fonte de toda a santidade que é o próprio Deus. A nossa fé nos ensina que somente Deus é Santo e que somos chamados à santidade de Deus, pela esperança na futura união com o Ele em Seu Filho, Jesus Cristo.
Na Bíblia, a palavra “santo” significa, “separado”, ou seja, Deus é aquele que separa, escolhe, chama para si e santifica. O termo pode referir-se ao povo de Deus, que foi separado por Ele para um propósito sagrado tanto nos tempos do Antigo quanto do Novo Testamentos. Além disso, aponta para uma separação de tudo que difama, mancha a reputação, especialmente quando se refere ao povo de Deus, o povo escolhido, advertido a praticar a retidão moral e dedicar-se ao uso do sagrado ou religioso (cf. Ex 19,6; 30,31-32; Lv 21,6; Hb 3,1).
Por isso, Santo, em sentido absoluto (1Sm 2,2; Sl 98,9; Is 6,3; Ap 15,4), é somente o Deus uno e trino, Pai, Filho e Espírito Santo. A Jesus, o Filho eterno feito homem, proclamamos em cada missa: “Só vós sois o Santo”; ao Pai dizemos: “Na verdade, ó Pai, vós sois Santo e fonte de toda santidade…”; ao Espírito chamamos de Santo. Deus, o único Santo, nos santifica pelo Filho no Espírito: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1Jo 3,1).
Trilhar caminhos de santidade é participar da vida do próprio Deus, sendo separados e consagrados por Ele e para Ele desde o nosso Batismo, para vivermos sua própria vida, como filhos no Filho Jesus. É assim que todo cristão é um santificado, um separado para Deus. São João nos fala sobre isso na segunda leitura da solenidade de hoje: “Quando Cristo se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,1-3).
No Evangelho desta solenidade, Jesus nos apresenta as bem-aventurança ou beatitudes como caminho e meio para alcançar a perfeição. Por isso, a bem-aventurança consiste em dar um passo a mais, a partir do lugar onde se está – uma excelente definição para espiritualidade, um impulso para se colocar em marcha. Esta é a razão de Jesus apresenta as bem-aventuranças aos seus discípulos; na verdade, cada uma das palavras das bem-aventuranças é um convite para se colocar a caminho, a partir de nossas lágrimas e do percurso já trilhado, sabendo que ainda há muito a caminhar.
Os santos, sem dúvida, foram pessoas corajosas, capazes de reagir e afirmar, a todo o custo, aquilo que os fazia viver. Eles nos mostram o caminho da verdade e da liberdade.
Erguendo os olhos para os discípulos, Jesus declara-os “bem-aventurados” (Lc 6,20). E diz: “Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!”. Eis a força contestatória de Jesus. As outras seis bem-aventuranças estão aí para ilustrar a primeira, a da pobreza de coração. Quanto à última, ela surge como conclusão: “Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á e, como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos”.
Porque é que Jesus declara “felizes” os seus discípulos? O que significa ter espírito de pobreza? Qual é a diferença entre um rico e um pobre, no sentido evangélico? O rico crê que tudo pode ser comprado, é alguém a quem tudo é devido, enquanto o pobre é alguém para quem tudo é doação. Os discípulos são pobres de coração porque estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar. O pobre é aquele que não está satisfeito e, por isso, sempre sente necessidade. Necessidade de Deus, necessidade do Amor para poder amar e do perdão para poder perdoar. O pobre é também aquele que confia e espera. O rico, por outro lado, não pode esperar, pois está plenamente satisfeito. O pobre está sempre voltado para um futuro que espera ser melhor; ele busca, porque acredita nunca ter encontrado completamente. A sua vida é uma busca, e todos os sinais que encontra o enchem de alegria e o fazem avançar.
Jesus conhece o coração humano e soube reconhecer nos corações dos seus discípulos essa aspiração a crer, esperar e amar; é por isso, que os escolheu e chamou. As bem-aventuranças, em tantas situações, vão contra a corrente, porque um dia alguém, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: “Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do ódio, da rivalidade… E, face a este mundo, deveis dizer: não estou de acordo! (Jo 15,19-21).
Como nos diria São Paulo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12,2). É certo que sereis perseguidos, maltratados, humilhados, e farão de tudo silenciá-los. Sereis felizes, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Agindo assim, serão chamados de santos.
Muitas pessoas nunca pensaram que eram santas, muito pelo contrário, sempre acreditaram que iam precisar, em grande medida, da misericórdia de Deus. Todos conheceram, em maior ou menor grau, a doença, a tribulação, as horas difíceis em que tudo lhes custava; sofreram fracassos e tiveram êxitos.
O fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade que homens e mulheres do nosso tempo. Talvez muitos não tenham sido proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas, com muito simplicidade no cotidiano da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar nos incontáveis filhos e filhas da Igreja que viveram e ainda vivem uma santidade generosa e autêntica nos contextos mais complexos e desafiadores da vida familiar, do matrimônio, da vida comunitária, da vida profissional e social?
São Paulo nos anima quando diz aos Efésios: “Já não sois mais estrangeiros sem migrantes, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2,19). Jesus havia prometido: “Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai” (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização dessa promessa, e ajudam a crer que isso é possível, mesmo nos momentos mais difíceis da história.
Para isso, faz-se necessária uma conversão pastoral que envolva todos os níveis da existência humana e se reflita na ação evangelizadora da Igreja, com seu papel, sua missão e responsabilidade diante do que nos diz o Papa: “Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão” (EG 25). É a partir deste horizonte missionário que o Papa reflete sobre a urgência da santidade de vida, fonte de fecundidade para a ação pastoral e evangelizadora da Igreja, frente aos desafios sociais, culturais, econômicos e religiosos do mundo atual (GE 2).
O Papa continua: “Não tenhas medo da santidade. Não te tirarás forças, nem vida, nem alegria” (GE 32). “O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança” (GE 122s). A alegria genuinamente cristã é fruto do Espírito Santo, que produz nossa união com o Amado Jesus e nos dá a certeza da sua presença.
A santidade, mais do que perfeição alcançada de uma vez por todas, é uma vida em construção, uma inquietude que nos impulsiona para frente rumo à meta: “A santidade é feita de abertura habitual à transcendência, que se expressa na oração e na adoração” (GE 146).
Na exortação, o termo santidade traduz o encontro da fragilidade humana com a força da graça; por isso, ser santo é tornar-se plenamente humano (GE 34), é ser fiel ao nosso próprio ‘ser’ (GE 32), original e querido por Deus.
Portanto, “deixa que a graça do teu Batismo frutifique em um caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a força do Espirito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o fruto do Espírito Santo na tua vida [Gl. 5,22-23]” (GE 15).
No entanto, é muito importante que fique claro: ninguém é santo com suas forças; ninguém é santo por sua própria santidade. Só em Cristo somos santificados, pois somente Ele derrama sobre nós o Espírito de santidade. O nosso único trabalho é lutar para acolher esse Espírito, deixando-nos guiar por Ele e sermos transfigurados em Cristo!
Não tenhamos medo de ser de Deus, não tenhamos medo de testemunhar o Evangelho, não tenhamos medo de alimentar nossa vida com o Cristo, na sua Palavra e na sua Eucaristia para sermos inebriados da vida do próprio Deus.
No Céu, a Virgem Maria nos espera para estender-nos a mão e levar-nos à presença de seu Filho e de tantos seres queridos que ali nos aguardam.



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