Nem o melhor poeta ou o mais famoso escritor conseguiria descrever, com a simplicidade e a objetividade do evangelista Lucas, o que aconteceu na noite de Natal: “Enquanto [José e Maria] estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,6-7).
Essa criança já tinha um nome, pois, na Anunciação, o Anjo Gabriel havia-lhe dito: “Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus” (Lc 1,31). E quem era Jesus? Segundo o anjo Gabriel, “Ele será chamado Filho do Altíssimo”; ocupará o trono de Davi, seu pai; “reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32-33). Para José, o anjo do Senhor havia até explicado a razão da escolha do nome Jesus: “Tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).
O Filho do Altíssimo, o novo ocupante do trono de Davi, aquele cujo reino não terá fim, o que foi esperado durante logos séculos pelo povo de Israel, foi colocado numa manjedoura. A natureza mineral dava ao Filho do Altíssimo uma gruta; o mundo animal lhe emprestava o tabuleiro onde era colocada sua comida; na cidade dos homens, contudo, não havia lugar para o Filho do Altíssimo.
Refletindo sobre a constatação: “Não havia lugar para eles na hospedaria”, o Papa emérito Bento XVI observou: “De algum modo, a humanidade espera Deus. Mas quando chega o momento, não tem lugar para Ele. Ela está tão ocupada consigo mesma, sente uma necessidade tão imperiosa de dedicar todo o espaço e todo o tempo para as próprias coisas, que não resta nada para o outro: para o próximo, para o pobre, para Deus. E quanto mais ricos se tornam os homens, tanto mais preenchem tudo de si mesmos” (24.12.07).
Felizmente, a cena do Evangelho do Natal não termina com a afirmação “Não havia lugar” para ele. Houve pessoas que o acolheram. Maria, por exemplo, havia-se preparado para o nascimento de seu Filho: envolveu-o com faixas; José começou a acolhê-lo quando, em sonhos, ouviu o Anjo lhe pedir que não tivesse receio de receber Maria como esposa, pois o que nela tinha sido gerado era obra do Espírito Santo (cf. Mt 1,20). Jesus foi acolhido por pastores dos arredores de Belém, segundo a descrição do evangelista Lucas: “Naquela região havia pastores…” Tendo visto anjos do Senhor envolvidos em luz e tendo ouvido seu anúncio – “nasceu para vós um salvador… Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura…” – os pastores foram a Belém. Com sua decisão de ir ao encontro do Salvador, eles passaram a representar todos aqueles que, ao longo dos séculos, acreditariam nos sinais de Deus e se voltariam para Seu Filho. Mais tarde, Jesus seria acolhido também pelos Magos do Oriente: reconhecendo sua divindade, eles se prostrariam diante dele e o adorariam, presenteando-o com os seus dons.
No Natal, dando-nos Seu Filho muito amado, o Pai vem ao encontro da humanidade – isto é, vem ao encontro de cada um de nós, para que nos tornemos seus filhos e filhas. Essa certeza levou o Papa Leão Magno (440-461) a proclamar: “Reconhece, cristão, tua dignidade!…”
Os primeiros cristãos, ao olhar ao seu redor, tomavam consciência do mal, do pecado e de inúmeras manifestações de egoísmo, e se perguntavam: “Afinal, que novidade trouxe o Senhor em sua vinda ao mundo?” E eles mesmos respondiam: “Jesus trouxe toda a novidade, trazendo-se a si mesmo” (Santo Ireneu). Jesus Cristo é a grande novidade do mundo. Aceitando-o como Senhor de nossas vidas, também para nós começa uma nova época, uma nova história.
Com o carinho de Maria, com a fé profunda de José, com a alegre expectativa dos pastores, vamos, pois, acolher aquele que nasce em Belém. Belém é a casa de cada um de nós; é nosso coração; é o altar onde Cristo se oferece por nós e conosco ao Pai. Hoje “nasceu para nós um menino” (Is 9,5). Hoje nasceu para nós o Salvador. Bem-vindo, Menino Jesus!
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil



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