Uma percepção leiga da espiritualidade inaciana

Marize Marques Pitta[1]

 

Antes de abordar a temática que me foi designada, a espiritualidade inaciana, sinto a necessidade de delimitar o lugar de onde falo: uma leiga que, já na primeira experiência concreta com a oração inaciana, através dos Exercícios na Vida Cotidiana-EVC, orientados, também, por uma leiga, se encantou e acolheu o desejo de ser multiplicadora deste modo de orar. Daí em diante, no sentir e agir com a Igreja, busca expressar este compromisso.

A própria caminhada espiritual de Inácio de Loyola abre um espaço para a inserção do leigo, diria mais, é um estímulo, pois o que hoje conhecemos como Exercícios Espirituais Inacianos é fruto da sua experiência espiritual como leigo, ou seja, os Exercícios foram vivenciados e sistematizados pelo Inácio leigo, não pelo padre Inácio. Daí é que, com alegria, constatamos o acolhimento e, até mesmo, o zeloso investimento dos jesuítas na formação de leigos e leigas; como confirmação, encontramos, entre os escritos do padre Carlos Rafael Cabarrús, SJ, um artigo intitulado A Espiritualidade Inaciana é Leiga.

A centralidade da espiritualidade inaciana reside nos Exercícios Espirituais, definidos como “[…] todo e qualquer modo de preparar e dispor a alma, para tirar de si todas as afeições desordenadas, procurar e encontrar a vontade divina, na disposição da vida para a salvação da alma.”[2]. Daí a razão por que são considerados um método de oração, que requer o desejo, a disposição e disponibilidade do exercitante para experimentar um caminho espiritual de discernimento e busca da vontade de Deus no concreto da sua vida e da sua história. É um convite para mergulhar na sua interioridade, reconhecer a sua identidade de filho(a) amado(a) de Deus, encontrar com o real sentido da vida e comprometer-se com a construção do Reino:

O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor e mediante isso salvar a sua alma.As outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem e para o ajudarem na consecução do fim para o qual é criado[3]

Na afirmação acima, é possível perceber a atualidade dos Exercícios Espirituais, que poderão ajudar o cristão a encontrar respostas para as suas maiores inquietações: Quem sou eu? Por que estou aqui?Para que existo? E, na trilha para o seguimento de Cristo, Santo Inácio orienta a “pedir conhecimento interno do Senhor, que por mim se fez homem, para que eu mais o ame e o siga.”[4] Antes, porém, ressalta “Porquanto o que sacia e satisfaz a alma, não é o muito saber, mas o sentir e saborear as coisas internamente.”[5]. O louvor ao Criador vai se expressar, efetivamente, no modo como o exercitante passa a se relacionar consigo mesmo, com as outras criaturas e com os acontecimentos da vida cotidiana, a fim de em tudo amar e servir.

Sinal da preocupação de Santo Inácio com a salvação das almas encontramos, também, na ação diligente e generosa do acompanhante que, nos Exercícios – realizados em retiro ou na vida cotidiana -, abre-se para a escuta amorosa da experiência de oração, possibilitando a percepção acurada das moções, que refletem como e para onde Deus está conduzindo aquele que faz os Exercícios. Mas, este é um tema para outro momento…

[1] Membro da equipe do Serviço Inaciano de Espiritualidade em Salvador-SIES. marizepitta@oi.com.br

[2]Encontramos esta definição no início do texto dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, na primeira anotação.

[3]Parágrafo inicial do Princípio e Fundamento, Exercício nº 23.

[4] Cf. Exercício Espiritual Nº 104.

[5] Cf. Exercício Espiritual Nº 2, final da Segunda Anotação.