Alegria de viver

Cardeal Dom Sergio da Rocha

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

O carnaval é conhecido pelas manifestações públicas de alegria. Durante o período carnavalesco, as cenas comumente divulgadas são de pessoas alegres, que cantam e dançam espontaneamente ou em blocos, fantasiadas ou não. A pausa no ritmo cotidiano e o breve esquecimento dos problemas podem trazer alegria, mas que tende a passar tão rapidamente quanto os dias de animação carnavalesca. Ela não pode ficar restrita aos dias do carnaval, embora possa neles se expressar intensamente.

Dependendo de como se vive o carnaval, a alegria de viver passa rapidamente, sobrando apenas as cinzas da fragilidade humana.  A Quarta-feira de Cinzas, com a qual se abre a Quaresma, não tem a sua razão de ser no carnaval, como alguns pensam, para expiar pecados cometidos durante o carnaval, mas recorda sim a condição humana frágil e pecadora e a necessidade de conversão permanente. Ela tem o seu sentido maior na Páscoa, enquanto abertura de um tempo especial de preparação para a solenidade da ressurreição de Jesus, a ser vivido na fé e na fraternidade.

É preciso redescobrir a alegria de viver que vai além de momentos especiais do ano, por mais importantes que sejam.  Ela não pode depender de circunstâncias favoráveis, pois os problemas e os desafios não tardam a aparecer. A alegria tem a ver com o sentido da vida, não somente nas grandes ocasiões, mas no cotidiano, inclusive nos momentos mais difíceis. No âmbito da fé, encontra-se em Deus o sentido mais profundo para o caminhar, a fonte da alegria e da paz que permanecem também em situações adversas.

Os valores éticos e religiosos devem ser vividos o ano todo, na diversidade de ambientes e situações. Os cristãos e os crentes em Deus das diversas confissões religiosas devem dar testemunho da fé professada e celebrada, de modo a glorificar a Deus não somente no culto, mas no viver.  O testemunho tem um valor imenso no mundo de hoje, marcado por tantas incoerências e infidelidades em diversos campos da vida social. O carnaval não pode significar um período de suspensão de valores ou de recesso na vivência da fé. As consequências de um comportamento moral irresponsável acabam trazendo sofrimento para as pessoas e suas famílias. Quem pretende ser livre por fazer tudo o quer, sem limites, acaba escravo de si próprio, É preciso discernir atentamente o que condiz ou não com a fé professada para que a alegria possa durar após os dias de folia.

Num mundo marcado por tantos desencontros e guerras, o carnaval faz pensar na importância do encontro e do abraço. A alegria se multiplica quando estamos juntos convivendo de modo respeitoso e fraterno, sem violência. Para estender as mãos ao próximo ou abraçar é preciso depor as armas. Quem trilha o caminho da paz contribui para que a alegria de viver seja experimentada o ano todo.

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 11 de fevereiro de 2024.