Arte e Fé

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil

 

Continuamente tenho novas surpresas quando o assunto é o patrimônio artístico da cidade de Salvador.  Nem me refiro ao patrimônio cultural em geral, mas àquele que envolve igrejas, imagens e esculturas sacras. Tenho certeza de que soteropolitano algum, baiano algum é capaz de imaginar as riquezas artísticas que existem ao seu redor. É verdade que parte delas sofre com a falta de recursos para restaurá-las – trabalho que é caríssimo, dadas as exigências das leis referentes à intervenção em bens tombados.

Graças a Deus, alguns importantes passos têm sido dados nos últimos tempos. Lembro, por exemplo, a restauração da Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Terreiro de Jesus,  e a da igreja que está ali perto, cujo titular é São Domingos de Gusmão. No momento, estão sendo dados os últimos passos na restauração da Catedral, da Igreja do Passo e do Palácio da Sé – obras de uma beleza única.

Mas é sobre outra igreja que desejo escrever: refiro-me àquela dedicada ao Santíssimo Sacramento e à Sant´Ana. Poucas igrejas têm uma história tão rica e obras de arte tão belas como essa.

Construída na metade do século dezoito, foi a primeira igreja erguida na Bahia com materiais e tecnologia 100% brasileiros. Os três principais pintores baianos nela deixaram a marca de sua genialidade: Antônio Joaquim Franco Velasco pintou a nave central; José Rodrigues Nunes, as telas dos quatro evangelistas, que se encontram na capela-mor; e José da Costa Andrade, a sacristia – uma das mais belas de Salvador.

Essa igreja também foi testemunha de fatos históricos relevantes, como o das lutas pela independência, dando  abrigo aos corpos de combatentes tombados nessas batalhas, como foi o caso do Padre Roma e de Maria Quitéria.  No século passado, ela marcou profundamente a vida daquela que se tornaria a Irmã Dulce dos Pobres, cuja família morava nos arredores do templo; ela própria relatou que foi nessa Igreja que ouviu o chamado divino para se consagrar totalmente a Deus e aos necessitados.

Dez anos atrás, os fieis que ali se reuniam sentiram necessidade de trabalhar para a restauração daquele patrimônio que se encontrava gravemente ameaçado. Começou, então, um longo e penoso “calvário” para conseguirem os recursos necessários. Fechada a igreja por motivo de segurança, comandados pelo Pe. José Abel Pinheiro, seu pároco, os voluntários multiplicaram iniciativas, fizeram campanhas, visitaram órgãos públicos etc. Era preciso, ao mesmo tempo, cuidar da parte espiritual, para que a comunidade não se desintegrasse. A perseverança de todos deu resultado: aí está uma igreja que nos mostra o feliz resultado da comunhão entre a arte e a fé. Faça a uma visita, (reze!) e comprove!