A volta dos crucifixos

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil

 

Foi muito divulgada, em 2011, uma decisão tomada pelo Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acolhendo um pleito formulado pela Rede Feminista de Saúde, pela SOMOS, pela Themis, pela Marcha Mundial das Mulheres, por NUANCES e pela Liga Brasileira de Lésbicas, o referido Conselho ordenou a retirada de Crucifixos e demais símbolos religiosos das dependências do Poder Judiciário gaúcho, sob o argumento de que o Estado é laico.

A Mitra Diocesana de Passo Fundo e um cidadão, Sr. Fernando Carrion, recorreram, então, ao Conselho Nacional de Justiça. A resposta, dada pelo Conselheiro Emmanoel Campelo, e encaminhada no dia 16 de maio último aos Desembargadores e Magistrados pelo Presidente do Conselho, Des. Luiz Felipe Silveira Difini, termina assim: “…verifica-se que a presença de Crucifixo ou símbolos religiosos em um tribunal não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças; também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião, como também não fere o direito de quem quer [que] seja. Assim, entendo que os símbolos religiosos podem compor as salas do Poder Judiciário, sem ferir a liberdade religiosa, e que não se pode impor a sua retirada de todos os tribunais, indiscriminadamente. Por isso, merece reparo a decisão do Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que determinou, de forma discriminatória, a retirada dos Crucifixos. Ante o exposto, voto no sentido de serem julgados procedentes os pedidos, tornando sem efeito o ato administrativo impugnado”.

É uma vitória do bom senso; é uma vitória daqueles que sabem distinguir entre Estado laico e Estado laicista. O Estado brasileiro é laico, o que significa dizer que há separação entre Estado e Igreja. No Estado laicista procura-se “isolar o fator religioso à esfera puramente pessoal, proibindo ou cerceando as manifestações externas de religiosidade”. Ou, como bem explicou o Des. Campelo, “para acolher a pretensão de retirada de símbolos religiosos sob o argumento de ser o Estado laico, seria necessário, também, extinguir feriados nacionais religiosos, abolir símbolos nacionais, modificar nomes de cidades, e até alterar o preâmbulo da Constituição Federal”. No preâmbulo dessa, lê-se: “promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Não se pode esquecer, também, que nas cédulas do real se lê: “Deus seja louvado” e que são vários os feriados religiosos. Em outras palavras: “Das várias formas de relação entre Igreja e Estado no tempo e no espaço – Estado confessional (que adota uma religião como oficial), Estado ateu (que rejeita o fator religioso como constitutivo do ser humano) e Estado laico (que vive a separação entre Igreja e Estado, mas com cooperação entre eles e respeito à liberdade religiosa) -, o Brasil adotou nitidamente esta última forma”.

Dr. Paulo Brossard, que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, escreveu (Jornal “Zero Hora”, Porto Alegre, 12.03.2012) que “os Crucifixos existentes nas salas de julgamento do Tribunal lá não se encontram em reverência a uma das pessoas da Santíssima Trindade, segundo a teologia cristã, mas a alguém que foi acusado, processado, julgado, condenado e executado, enfim, justiçado até sua crucificação, com ofensa às regras legais históricas…”. Ele lembrou, inclusive, uma frase de Rui Barbosa: “O Crucifixo está nos tribunais… porque [Jesus] foi vítima da maior das falsidades de justiça pervertida”.

A recente decisão do Conselho Nacional de Justiça, permitindo a volta dos Crucifixos às salas dos tribunais gaúchos, nos mostra que nunca é tarde para se corrigir erros ou para se reparar injustiças.